07 de janeiro de 2013 |
N° 17305
L. F. VERISSIMO
Sobrevivente
Quem passou pelo que eu passei –
quase me fui – pode escolher o que fazer com a experiência. Ou terá assunto para
o resto da vida, pois tudo o mais perderá importância comparado ao maravilhoso
fato de continuar vivo. Ou evitará o assunto, para não ficar conhecido como um
sobrevivente chato, daqueles que sabem – e repetem – tudo sobre sua doença, com
detalhes, e até com um certo ar superior.
– Alguém aqui sabe o que é
“rabdomiólise”?
E a conversa não pode ser sobre
outro tópico:
– A coisa na Síria está feia.
– Isso porque vocês não viram
minha urina no primeiro dia.
– Li que o Internacional vai
começar a temporada com o time B.
– Por sinal, eu contei que o
vírus que me pegou poderia ser tipo A ou tipo B? O meu era tipo A. O mais
perigoso.
Prometo não ser um sobrevivente
chato. Não vou contar o que me fizeram no CTI do Hospital Moinhos de Vento de
Porto Alegre, mesmo porque sei pouco sobre o que me fizeram. Só sei que
salvaram a minha vida. Também não vou aproveitar nenhum dos delírios que tive
enquanto sedado para transformar em crônica.
Não sei por que, mas acho que
aproveitar delírios de hospital em crônicas é uma forma de apropriação
indébita. E desculpe: não tive nenhuma visão do outro lado, nenhum vislumbre do
infinito. Mas tenho que reconhecer que saí da experiência com meu ceticismo
abalado. Eram tantas pessoas – me contaram depois – rezando por mim e manifestando
suas apreensão e solidariedade, principalmente
desconhecidos, que deve ter feito
uma diferença. Vou precisar rever minhas relações com a metafísica.
Alguns dos que salvaram a minha
vida não são anônimos e precisam ser citados, antes de mudarmos de assunto.
Doutores Alberto Augusto Rosa, Sandro Gonçalves, Eubrando Oliveira, Teresa
Sukienik, Juçara Maccari, Ricardo Zimerman, David Saitovich, Renato Eick,
Flavio Kapczinski, Rogério Friedman, Bernardo Moreira, Ana Stein, Marcos
Wainstein, além do eficiente e dedicado corpo de enfermeiras, enfermeiros e
fisioterapeutas do hospital.
Obrigado, obrigado, obrigado. E
não se fala mais nisto.
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