06 de janeiro de 2013 |
N° 17304
Martha Medeiros
Miinha Turma
Ela é uma amiga recente. Tem três
filhos, sendo que um deles possui uma síndrome rara. É uma criança especial,
como se diz. Acabei de ouvi-la palestrar a respeito de como é o envolvimento de
uma mãe com um ser que necessita de tanta atenção. Eu estava preparada para
ouvir um chororô, e não a acusaria, ela teria todo o direito se. Mas o “se” não
veio.
O que vi foi uma mulher comovente
e leve ao mesmo tempo, recorrendo ao humor para segurar a onda e para não se
desconectar de si mesma. Ela deu uma choradinha, sim, mas de pura emoção e
gratidão por passar por essa experiência que dá a ela e a esse filho uma
cumplicidade também fora do comum. Quando ela terminou de falar, pensei: “Essa
é da minha turma”.
E silenciosamente a inseri no rol
dos meus afetos verdadeiros. Estranhei ter sido essa a expressão que me
ocorreu, “minha turma”, e só então percebi que, durante a vida, a gente conhece
um mundaréu de pessoas, estabelece variadas trocas de impressões, passeia por
outras tribos e tal.
São homens e mulheres que chegam
bem perto do nosso epicentro, nem sempre por escolha, mas porque são parentes
de alguém, conhecidos de não sei quem, e que acabam sendo agregados à nossa
agenda do celular. Até que o tempo vai mostrando uma dissimulação aqui, uma
maldade ali, uma energia pesada, e você se dá conta de que alguns não são da
sua turma.
Da série “Coisas que a gente
aprende com o passar dos anos”: abra-se para o novo, mas na hora da intimidade, do papo reto, da
confiança, procure sua turma. É fácil reconhecer os integrantes dessa
comunidade: são aqueles que falam a sua língua, enxergam o que você vê,
entendem o que você nem verbalizou.
São aqueles que acham graça das
mesmas coisas, que saltam juntos para a transcendência, que possuem o mesmo
repertório. São aqueles que não necessitam de legendas, que estão na mesma
sintonia, e cujo histórico bate com o seu. Sua turma é sua ressonância, sua
clonagem, é você acrescida e valorizada. Sua turma não exige nota de rodapé nem
resposta na última página. Sua turma equaliza, não é fator de desgaste. Com ela
você dança no mesmo compasso, desliza, cresce, se expande. Sua turma é sua
outra família, aquela, escolhida.
Não tenho mais paciência com o
que me exige atuação, com quem me obriga a usar palavras em excesso para ser
compreendida. Não tenho mais energia para o rapapé, para o rococó, para o
servilismo cortês, para o mise-en-scène social. Não tenho motivo para ser quem
não sou, para adaptações de última hora, para adequações tiradas da manga. Não
quero mais frequentar estranhos, em cujas piadas não vejo a mínima graça.
Não quero mais ser apresentada,
muito prazer, e daí por diante ter que dissecar minha árvore genealógica, me
explicar em nome dos meus tataravôs, defender posições que me farão passar por
boa moça. Não quero mais ser uma convidada surpresa. Se você mandar eu procurar
minha turma, acredite, tomarei como carinho.
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