03
de janeiro de 2013 | N° 17301
L. F.
VERISSIMO
Desmoronando
O prédio
de lata estava desmoronando e eu estava dentro dele, desmoronando também. Caía
de bruços como um super-herói que esqueceu como voar, com a cara virada para o
chão, ou para o saguão do prédio, que se aproximava rapidamente. Se eu me
espatifasse no saguão, certamente morreria, pois seria soterrado pela lataria
em decomposição que acompanhava meu voo.
O
fim do sonho seria o meu fim também. Mas a queda era interrompida, a
intervalos, como naquelas “lojas de departamento” em que o elevador parava, o
ascensorista abria a porta e anunciava: “Lingerie”, “adereços femininos” etc. Levei
algum tempo para me dar conta de que aquelas paradas não eram só para
interromper o terror da queda. Eram oportunidades de fuga.
O
sonho me oferecia alternativas para a morte, se eu fizesse a escolha certa. Ou
então me dava um minuto para pensar em todas as escolhas erradas que tinham me
levado àquele momento e à morte certa: os exageros, os caminhos não tomados e
as bebidas tomadas, as decisões equivocadas e as indecisões fatais, o excesso
de açúcar e de sal, a falta de juízo e de moderação. Não posso afirmar com
certeza, mas acho que ouvi o ascensorista fantasma dizer, em vez de “lingerie” e
“adereços femininos”: “Desce aqui e salva a tua alma” ou “pensa no que poderia
ter sido, pensa no que poderia ter sido...”
As
paradas não eram para diminuir o terror, as paradas eram parte do terror! Eu não
tinha tempo nem para a fuga nem para a contrição. E o saguão se aproximava. Decidi
me resignar. É uma das maneiras como a morte nos pega, pensei: pela resignação,
pela desistência. Meu corpo não me pertencia mais, era parte de uma representação
da minha morte, o protagonista de um sonho, absurdo como todos os sonhos.
Talvez
a morte fosse sempre precedida de um sonho como aquele, uma súmula de entrega e
renúncia à vida, mais ou menos dramática conforme a personalidade do morto. Um
sonho com anjos e nuvens rosas ou um sonho de destruição, como eu merecia. Eu
nunca saberia por que meu sonho terminal fora aquele, eu desmoronando junto com
um prédio de lata. Mas nossas explicações morrem com a gente.
No
fim do sonho, me espatifei no chão do saguão e esperei que o prédio caísse nas
minhas costas. Em vez disso, ouvi a voz do Dr. Alberto Augusto Rosa me
perguntando se eu sabia onde estava. “Hospital Moinhos de Vento”, arrisquei. Acertei.
Lá juntaram as minhas partes, me espanaram e me mandaram para casa. E eu não
disse para ninguém que deveria estar morto.
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