31
de julho de 2012 | 6h 46
Arnaldo
Jabor - O Estado de S.Paulo
'Batman' é o 'rock do americano
doido'
Fui
ver o "Cavaleiro das Trevas", mas não vou analisar o Batman como
'arte'. Agora existe um novo tipo de coisa - um filme-game que não se mede por
estrelinhas ou bonequinhos aplaudindo. Não existe mais ‘gostei’ ou ‘não gostei’.
Os roteiros não contam mais, a mise-en-scène é a tempestade de planos de três
segundos montados em enxurrada com efeitos especiais incessantes.
O
significado dos filmes está além deles. Interessa ver os conceitos que estão
por baixo das cenas, a intenção por baixo da ação. O filme se esconde no décor -
ali está o verdadeiro sentido. Acabaram mocinhos x bandidos; as personagens
principais são as coisas, os computadores, a tecnociência.
Esse
filme se pretende mais complexo que os outros; mas não é. Parece "complexo",
mas é apenas "emaranhado". Isso. Assim como o mistério da arte é abolido
no "entretenimento", nos atuais filmes de ação a "complexidade"
é substituída por um simulacro: o proposital "emaranhamento", que nos
dá a sensação de "profundo". É claro que o Batman é um herói genial,
que os outros empregados da Marvel são heróis encantadores das histórias em
quadrinhos. Nada contra as aventuras maravilhosas que tinham uma cândida
simplicidade nos enredos.
O
que enche o saco é ver como os produtores se apropriam dessas historinhas ingênuas
e tentam dar-lhes um sentido do ‘ar do tempo’, construindo um sarapatel de
fatos políticos: terrorismo, patriotic act, política do medo, impotência
social, numa espécie de ‘rock do americano doido’... "Ah... deixa de ser
chato; é apenas gibi filmado..." Gibi é o cacete - alguns desses filmes são
manifestos com interpretações ridículas sobre o momento atual. E ninguém
percebe.
No
entanto, gostei muito do Batman 2, com o Heath Ledger criando uma obra-prima
rara no cinema, uma ilha do cinismo contemporâneo, misturando bem e mal,
misturando horror e simpatia. "Escolhi o caos" - ele diz para o
Batman. Heath, de certo modo, faz uma crítica ao próprio filme. Heath é quase
uma paródia do "grande espetáculo", é um marginal dentro do elenco.
Claro
também que do meio desse barroquismo digital, linguagens e verdades podem estar
nascendo. Mas se descascarmos as camadas de significação, em meio ao enxame de
efeitos especiais, podemos ver Batman e outros como "sintoma", como
queriam os professores da "filmologia" francesa. Nos anos 60, Gilbert
Cohen-Seat criou uma espécie de filosofia do cinema, a filmologia, em que
analisava não só os filmes, mas o berço de onde saíram, o chão histórico de
onde brotavam. Foram várias fases desse pós-cinema de porrada e velocidade.
Nos
filmes violentíssimos dos anos 80, com os atores brutais como Sylvester
Stallone, Van Damme etc., Hollywood inventou o prazer do sangue, das facas
dentadas, dos peitos estourados, das metralhadoras fálicas. Era a safra do
cinema pós-Vietnã, como uma vingança na tela pela derrota humilhante dos
americanos pelos guerreiros comedores de arroz; eram um show de força para
compensar o fracasso da guerra.
Mais
tarde, ainda antes do "11 de Setembro", rolou a grande onda de filmes
sobre a destruição de Nova York. Parecia uma sugestão ao Osama, que acabou
realizando essa volúpia destrutiva, satisfazendo esse estranho desejo de
autoextermínio dos americanos. Por quê? Ninguém filma Paris acabando ou Londres
em pó.
Mas,
americano paranoico só pensa em inimigos. Podem conferir as obras: os USA
invadidos por "Godzillas", por discos voadores letais, por
asteroides, por explosões no "Armageddon" (há em Godzilla uma cena
absolutamente igual à multidão real de 2001, fugindo pela rua, com as torres se
suicidando ao fundo. Aliás, no mundo real, as próprias torres encarnavam uma
arrogância arquitetônica, pedindo bombardeio.)
Osama,
o Coringa do deserto, acabou com a ideia de guerra. Osama nos atacou de outro
tempo - fora da história. A queda das torres do WTC está nos filmes de hoje
como uma cicatriz na dramaturgia. Neste Batman 3 também tiveram o prazer de
massacrar a Bolsa de Valores (dezenas metralhados como em Colorado), de
explodir o Super Bowl, de ver a cidade tomada, a ponte doi Brooklyn desabando. Por
quê?
Recentemente,
a violência dos "estoura-peitos" e o suicídio virtual dos filmes-catástrofe
deram lugar a uma cultura de massas mais "reflexiva". Hollywood,
claro, se apropriou até dos heróis anarquistas ou psicopatas, ameaçando a ‘boa’
sociedade. Passaram a fingir uma ‘crítica ao Sistema’ como em Matrix ou o Clube
da Luta, que foi a tela de onde surgiu o nosso assassino Matheus, alguns anos
atrás em São Paulo, lembram?
Hoje,
a verdade de Hollywood está fora das telas, nas motivações financeiras e
paranoicas dos produtores. Já se disse que o 11 de Setembro em NY foi o único
momento de realidade na escalada do mundo virtual. Depois da catástrofe das
torres e agora, com a tremenda crise do mundo atual, o cinema só quer faturar
em cima da confusão, explorar o inexplicável com fábulas ridículas com
terroristas angustiados, monstros do mal e heróis do bem, tudo bem simplificado
para agradar à patuleia. Onde estão os comportamentos humanos verdadeiros?
Ninguém liga mais para isso.
Este
filme não é o Bem contra o Mal. Fala sobre a liberdade do povo, mas deixa um
odor republicano no ar. Gozamos o tempo todo com o mal e, no fim, os produtores
nos "concedem" o arbítrio de escolher o bem, quando a tecnologia e as
cenas celebram o mal durante toda a projeção. Este "meio" é muito mais
importante que as "mensagens" que, ao final, vêm em pequenas lições
morais defendendo a família, a solidariedade, o amor.
No
Batman, a política e a polícia tentam dar conta da imensidão da corrupção e da
criminalidade global. Ninguém sabe o que fazer, mas o cinema americano acha que
sabe, com suas alegorias paranoicas e lucrativas. Quando Osama-Coringa atacará de
novo?
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