08
de agosto de 2012 | N° 17155
MARTHA
MEDEIROS
O poder terapêutico da estrada
“Viajar
é um ato de desaparecimento”, escreveu certa vez Paul Theroux, um dos
escritores mais bem-sucedidos na arte de narrar suas andanças pelo mundo. É uma
frase ambígua, pois parece verdadeira apenas do ponto de vista de quem fica. O
viajante realmente desaparece pra nós – aliás, desaparecia, pois nestes tempos
cibernéticos ninguém mais consegue manter-se inalcançável.
Já para
aquele que parte, viajar não é um ato de desaparecimento. Ao contrário, é quando
ele finalmente aparece para si mesmo.
Somos
seres enraizados. Moramos a vida inteira na mesma cidade, mantendo um endereço
fixo. Nossa movimentação é restrita: da casa para o trabalho, do trabalho para
o bar, do bar para a casa, com pequenas variações de itinerário. Essa rotina
vai se firmando gradualmente, e um belo dia nos damos conta de que estamos
vendo sempre as mesmas pessoas e conversando sobre os mesmos assuntos. Não há grande
aventura ou descoberta no nosso deslocamento sistemático dentro desse
microcosmo.
Isso,
sim, soa como um desaparecimento. Onde foram parar as outras partes de nós que
compõem o todo?
Viajar
é sair em busca dos nossos pedaços para integralizar o que costuma ficar
incompleto no dia a dia.
Assisti
a On The Road, adaptação do livro de Jack Kerouac, superbem filmado por Walter
Salles, e também a Aqui É o Meu Lugar, em que Sean Penn, magistral, pra variar,
interpreta um roqueiro decadente que sai pela estrada para acertar as contas
com o passado do pai e encontra adivinhe quem? Ele mesmo, ora quem. É sempre
assim. Há em nós uma persona oculta que só se revela quando a gente se põe em
movimento.
Road
movies me encantam porque dão protagonismo a tudo que alimenta nossa fantasia: a
liberdade, a música, a poesia, a natureza e o tempo estendido, sem o
aprisionamento dos relógios e dos calendários – viajar é uma jornada simultânea
de ida e volta, nosso passado e nosso futuro marcando um encontro no asfalto. Ou
sou eu que fico meio chapada só de falar nisso.
On
The Road, mesmo que em certos pontos convide para um cochilo, tem momentos
arrebatadores, como a dança sensual de Kristen Stewart com Garrett Hedlund, o
boogie woogie de Slim Galliard num contagiante número de jazz, e um final que
emociona, senão a todos, certamente aos que reverenciam a literatura. Já o
filme com Sean Penn é uma viagem para longe do lugar-comum – nada é óbvio, nada
é o que se espera.
E não
bastasse ter Frances McDormand no elenco e a trilha sonora de David Byrne,
ainda conta com a participação significativa, tipo cereja do bolo, do ator
Harry Dean Stanton, que nos remete ao emblemático Paris, Texas, uma forma de
lembrar que todas as estradas se cruzam em algum ponto.
Que
seus pais não me ouçam, mas se você está entre iniciar uma terapia ou se largar
no mundo, comece experimentando a segunda opção. Ambas levam para o mesmo
lugar, mas num consultório não tem vento no rosto nem céu estrelado. Se não
funcionar, aí sim, divã.
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