01
de agosto de 2012 | N° 17148
DIANA
CORSO
Numa velha história, um projeto de
vida
Há muito,
esperava esse reencontro, mas nunca o fazia acontecer. Afinal, pedi o exemplar
em um sebo virtual. Estava curiosa, mas foi sinistro, constrangedor até. Fazia 40
anos que não tinha notícia dessa história, mesmo considerando-a minha predileta.
Trata-se
de Uma Casa na Floresta, o primeiro volume dos nove escritos por Laura Ingalls
Wilder, contando a vida difícil dos pioneiros norte-americanos, a sua própria. Li
a série no início da puberdade, numa biblioteca, nunca tive os livros embora os
adorasse.
Quando
o pacote chegou, tão pequeno, pensei ter me enganado: vai ver que pedi uma edição
adaptada. Nada disso, “texto integral”, dizia na capa. Na lembrança, era maior.
Além disso, nesse relato não havia nada de encantador, o livro era chato. A
surpresa era outra.
Aquelas
páginas eram como uma carta que houvesse enviado para mim mesma do passado. A
missiva tinha data para chegar e era agora, com as filhas crescidas. Ali
estavam descritos, prescritos, sonhos do passado que realizei sem clareza de
que os tinha.
A
menina Laura e sua irmã Mary viviam numa cabana de troncos na floresta. Há intermináveis
páginas sobre o cotidiano severo, de escassez, rezas, obediência, chatices domésticas
identificadas com aconchego. O pai caça para alimentar a família, o preparo da
carne salgada e defumada e das conservas para atravessar o inverno.
As
brincadeiras e o calor da casa quando a neve chega, a boneca de pano, um
presente inesquecível. A animação fica por conta do relato das aventuras do
pai, que conta da floresta onde enfrenta panteras, ursos e lobos. Dentro de
casa proteção, fora o perigo.
Essa
vida rudimentar meticulosamente narrada evoca a nostalgia de algo que, na
verdade, nunca existiu: uma família antiga e amorosa, na qual há um pai
poderoso que se ocupa das filhas mulheres, veja só. Um verdadeiro “refúgio num
mundo sem coração”, como Christopher Lasch, em seu livro com esse nome,
descreveu o ideal em que se inspira a família nuclear.
Sem
lembrança consciente do livro, nem dos seus efeitos em mim, construí uma família
com várias alusões a essa história. Dei à minha primogênita o nome da autora e
protagonista da obra, minha porta sempre teve um buldogue, como o velho Jack da
saga, montando guarda, e minhas duas filhas cresceram ouvindo histórias
sentadas no colo do seu atencioso pai.
Errantes
pelo mundo, sempre nos resta a nostalgia de um ninho imaginário. É isso que
queremos para nossos filhos, eu bem que tentei. Como se vê, leituras infantis são
perigosas, no bom sentido.
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