01
de agosto de 2012 | N° 17148
MARTHA
MEDEIROS
Fora do contexto
A
grande maioria de jornais e revistas traz hoje uma sessão que é das mais
populares: são as frases destacadas de políticos, artistas, empresários e
demais notáveis. A pessoa deu uma longa entrevista e dela é pinçada uma pequena
declaração que vai para o hall das “frases da semana”. Quem não lê? Todo mundo
lê e adora.
Algumas
frases são fortes, outras divertidas, há as ridículas, as burras, as geniais. Mas
todas, absolutamente todas correm o risco de estar descaracterizadas. Porque
aquilo que é subtraído do contexto ganha projeção, para o bem ou para o mal. E
isso, por si só, é uma forma sutil de manipular o leitor.
Em
tudo há um contexto. No seu pedido de demissão, na sua defesa dos animais, na
sua confissão para o padre, no seu desabafo para o analista, na sua briga de
casal, na sua campanha política, até na escolha da roupa que você vai vestir
pela manhã. Cada atitude, cada escolha, cada argumentação, cada lamúria está vinculada
a uma série de outras coisas que orbitam em volta do assunto principal. Não
existe “não vem ao caso”. Tudo vem ao caso.
A
namorada, depois de aprontar muito, diz que você é o homem da vida dela. Essa
frase, sozinha, reconstitui relações, mas e o contexto todo, onde fica? Seu
chefe considera você um ingrato por desligar-se da empresa de uma hora para a
outra, mas e a quantidade de sapos que você engoliu por meses, não explica?
Você
é considerado um sequelado por descer pelo elevador do prédio de calça laranja,
blusão pink e óculos de lentes verdes, mas alguém levará em consideração que
você é um artista performático? Você diz para o analista que seu pai a ignora,
e o analista precisa acreditar em você, mas jamais lhe dará alta até que
descubra o contexto. O contexto é soberano, o contexto é revelador, o contexto
não pode ser ignorado, assim na vida, assim na imprensa.
Como
destacar uma ironia sem contextualizá-la? A ironia soará grosseira. E aquele
que ao ser entrevistado para a TV estava visivelmente brincando, mas que por
escrito pareceu estar falando sério? E o comentário dito no entusiasmo do
momento, sem compromisso, que ganha ares de profetização? Falou, imprimiu, já era.
Explicar
o contexto exige tempo, exige dedicação, exige compromisso, e está tudo em
falta: tempo, dedicação, compromisso. Quer-se o bombástico de deglutição fácil.
Quer-se o vexame público, o mico, a constatação constrangedora, a genialidade
de pronta-entrega, quer-se o impacto imediato, sem olhar para os lados. O
contexto são os lados ignorados.
Eu
leio essas “frases da semana”, você também lê. Mas, na falta da contextualização,
não percamos o critério. Acreditemos com um olho fechado e outro bem arregalado.
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