05
de fevereiro de 2013 | N° 17334
CLÁUDIO
MORENO
Em doses
mínimas
São
poucos os que recordam o nome de Mitrídates, mas todos nós conhecemos pessoas
que tragicamente com ele se parecem. Este personagem passou para a História não
por ser o rei do Ponto Euxino, antiga colônia que os gregos fundaram no Mar
Negro, terra do famoso filósofo Diógenes, mas por um estranho e sinistro
comportamento que resolveu adotar ao longo de toda a sua vida.
Mitrídates
ainda era um menino quando descobriu que sua mãe e outros membros da família
pretendiam eliminá-lo com um veneno discreto, fazendo com que sua morte
parecesse natural. Vendo que seria extremamente difícil defender-se de um
inimigo que morava sob o mesmo teto e com o qual compartilhava o alimento de
cada dia, decidiu que precisava se tornar imune a qualquer espécie de
substância nociva.
Passou
então a estudar com afinco todos os antídotos conhecidos, testando sua eficácia
em prisioneiros condenados à morte. Depois de muitas tentativas, chegou
finalmente a uma fórmula única, composta de mais de 50 ingredientes, incluindo
o sangue dos patos que viviam no Ponto, cujo alimento principal eram plantas
que matariam qualquer homem que as ingerisse.
Para
sentir-se ainda mais protegido, engolia diariamente, depois da dose habitual
deste remédio, pequenas quantidades de veneno para fortalecer o organismo contra
uma possível armadilha dos assassinos. Não se sabe se chegaram a ocorrer
tentativas, mas o certo é que ele viu os inimigos morrerem um a um, mantendo-se
no trono até o dia em que, já perto dos 70, seu reino foi conquistado pelos
romanos comandados por Pompeu.
Embora
vencido, não poderia submeter-se às terríveis humilhações que Roma infligia aos
prisioneiros reais; por isso, antes que os soldados chegassem para prendê-lo,
dividiu com a mulher e as filhas o veneno que trazia guardado no pomo da
espada. Elas morreram em seguida, mas ele estava tão habituado à substância que
ficou apenas atordoado. Então, sem forças para enterrar a espada no peito, teve
de implorar que um soldado de sua guarda o matasse.
Por
causa disso, Mitrídates virou palavra, o que é, por si só, uma garantia de sua
imortalidade: em todas as línguas do Ocidente, mitridatizar significa aumentar
a tolerância a um veneno pela ingestão contínua de pequenas doses, um verbo
feito sob medida para explicar o absurdo fatalismo com que aceitamos – no
trabalho, na relação amorosa, no convívio com os demais – abusos e agressões
contra tudo o que o ser humano tem de mais vital e importante.
Sem
revolta ou indignação, passamos a tolerar tudo aquilo que antes nos fazia mal,
engolindo o veneno, gota por gota, até chegar à dose letal.
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