04
de fevereiro de 2013 | N° 17333
KLEDIR
RAMIL
Outros
carnavais
Bebia-se
muito. Naquele tempo, éramos todos muito jovens, e o corpo aguentava coisas que
não gosto nem de lembrar. Eu mesmo, hoje um abstêmio convicto e radical, fui
parar duas vezes no pronto-socorro em coma alcoólico. Um deles durante o
desfile do Carnaval de Pelotas, em que eu fazia o papel de Princesa do Bloco
das Almôndegas.
Modéstia
à parte, eu estava belíssima, enfiada num peignoir azul que minha mãe tinha
usado na noite de núpcias. Arranquei suspiros na avenida e, máximo dos máximos,
conquistei o coração de um velho bêbado. A ponto de ter que pedir ajuda aos
amigos para me livrar do admirador que não largava do meu pé, ou melhor, da
minha cintura.
Hoje
em dia, costumo dizer que sou um cara realizado. Esse episódio me deu
tranquilidade para poder afirmar com orgulho que não só já fui mulher, como fui
uma mulher que despertou paixões.
Não
sei de onde vem essa mania de homem se fantasiar de mulher no Carnaval. Acho
que cada um de nós tem um Clovis Bornay por dentro e não sabe. Não, não me
venham com essa bobagem de que isso é coisa de Pelotas. Em qualquer lugar do
mundo, onde tenha Carnaval, tem homem travestido.
Tudo
não passa de uma grande brincadeira, uma farra. Quando termina a folia, vai
todo mundo para casa, tira a fantasia, veste o terno com gravata e a vida volta
ao normal. Quer dizer, para maioria. Tem gente que pega gosto pela coisa. Aí
sim, podemos considerar que estamos falando de escolha pessoal.
Dizem
que J. Edgar Hoover, o poderoso chefe do FBI, gostava de se vestir de mulher.
Não sei, não vi, só ouvi falar. O cara que era o terror dos bandidos e fiscal
rigoroso dos bons costumes do american way of life era chegado num batom, numa
saia rodada, num salto alto. É o que dizem...
O
outro lado dessa moeda, ou seja, mulher vestida de homem no Carnaval, não é
comum. Se eu fosse psicólogo, faria um estudo, uma dissertação de mestrado: por
que cargas d’água as mulheres não gostam de brincar de ser homem? A imagem que
elas têm de nós deve ser péssima. Nem de brincadeira passa pela cabeça das
meninas fingir que são que nem nós, os rapazes. Muito estranho. São os
mistérios da alma humana.
Nesse
Carnaval vou ficar quieto aqui em casa, lendo um bom livro, como faço há anos.
Já fui uma mulher que despertou paixões. Não vou correr o risco de quebrar esse
encanto.
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