segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013



04 de fevereiro de 2013 | N° 17333
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Presidente negro no país de Lincoln

A eleição de Barack Hussein Obama para presidente dos Estados Unidos representou sucesso sem precedente na história americana. Basta lembrar que num país em que até ontem existiam setores numerosos de separação radical e belicosa de descendentes de africanos com outros americanos de origem europeia, um homem jovem e sem ligação com o escol econômico e social daquele país, com ascendentes asiáticos e africanos, de tez escura, chefe de família igualmente negra, foi eleito presidente dos Estados Unidos, posto ocupado por Washington, Jefferson, Lincoln, Madison, Roosevelt, Kennedy, e nessa investidura se houve com equilíbrio e moderação, autoridade sem arrogância, temperança e lucidez, a ponto de ser reconduzido à posição presidencial para exercer novo mandato.

A mudança, que também era a continuidade, mostrou um homem à vontade, o discurso então proferido porejava firmeza, confiança e coragem. O novo presidente refinou sua oração sem perder a simplicidade, a transparência e a naturalidade. Mas nem tudo é igual ao quadro de 2008, quando eleito pela primeira vez; o mundo mudou e mudou o país dentro de seus limites.

A imensa crise que tem a Europa como epicentro adquiriu expressão intercontinental e bateu em cheio nos Estados Unidos. Tudo isto evidencia que o governo que se reinicia não será e não poderá ser a mera continuação do anterior. Não estranha, por isso mesmo, que o discurso de 2013 não se limitasse a reiterar o de 2009, outras dimensões pretensiosas e corajosas, visíveis a olho nu.

Outra vez se repete o fato de o presidente ser do Partido Democrático e a maioria da Casa dos Representantes pertencer ao Partido Republicano. Esta anomalia institucional tem sido apontada por estadistas, políticos, juristas, publicistas, historiadores e tantas vezes registrada pelo incansável doutrinador do parlamentarismo Raul Pilla, em sua longa atividade política, parlamentar, partidária e jornalística.

Enfim, se o quadriênio passado foi inçado de perigos, o novo continuará assim não se sabe por quanto tempo. Contudo, o chefe do governo parece revigorado, músculos retesados, com apetite de enfrentar gigantes. Se isto acontecer, será benfazejo ao seu país e ao resto do mundo.

Já que me aventurei a esgueirar-me por meandros internacionais, ocorre-me recordar o cinquentenário de magno acontecimento na história universal, a criação da União Europeia. O sonho era antigo e antes dele, em 1951, fora criada a Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, a primeira realização real no plano dos fatos nascido da inspiração de Schuman e da ação visionária de Jean Bonnet.

Em 1957 foi o tratado de Roma que veio a acrescentar novo elo na cadeia que pretendia a federalização da Europa. Mas ainda estava por acontecer um ato necessário nesse processo; teve como partes duas nações que fazia um século vinham se guerreando, a Alsácia passando de francesa a alemã e vice-versa, em 1870, 1914-1918, 1939-1945, com rios de sangue, destruição de vidas, igrejas, bibliotecas, museus, bens materiais de todo o gênero e, por inacreditável que pudesse parecer, no Palácio do Elyseu o presidente da França, que fora o chefe da Resistência, da França Livre, da Cruz de Lorena, Charles de Gaulle, e Konrad Adenauer, chanceler da Alemanha depois do terremoto nazista, assinavam o tratado que sepultaria uma inimizade centenária e sangrenta, cheia de túmulos e ruínas, luto e lágrimas. Pois do tratado do Elyseu decorreu meio século.

Dir-se-á que queixas recíprocas continuam e ainda agora o Reino Unido divulgou a resolução de um plebiscito sobre o que pensa a população acerca da permanência ou saída da comunidade. Contudo, o acontecimento de 1963, passados 50 anos, merecia ser lembrado, e por muitas razões.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF

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