quarta-feira, 1 de agosto de 2012



31/07/12 - 14:34
 POR xicosa

"A gente se vê" é pior que o pé-na-bunda

O amigo P., aqui de São Paulo, me liga, às 13h13 nesta terça invernosa. Liga esbaforido, acabou de levar um pé-na-bunda.

Pé-na-bunda não. Muito pior. Pior do que um chute de uma bela bota de uma elegante paulistana. Como são elegantes as moderníssimas moças desta cidade no inverno –como Caetano pisou na bola ao falar da “deselegância discreta” das nossas meninas.

Elegância, porém, não é o caso desta sofrida hora do meu camarada.

O amigo não levou apenas um cartão vermelho. Pé-na-bunda até é compreensível, acontece.

O que ele levou mesmo na cara dói muito mais: o desprezo de um lacônico e gelado “a gente se vê”.

Isto sim, tio Nelson, é voltar para casa chupando o frio chicabom da solidão nesta cidade nada amorosa.

“A gente se vê um cacete”, reagiu P. Sem jeito.

Estava morto de feliz com a garota. Um intensivão de sexo. Grudados, costela a costela, com o superbonder do amor desde o começo de julho.

Repeti para ele -temos que rir da própria desgraça- uma frase do cronista e compositor Antônio Maria:

“Toda mulher, após trinta dias de felicidade sente fome e sede de desgraça. Só não irá embora se não tiver condução.”

P. não consegue ter humor nessa hora.

Nada pior do que um “a gente se vê”, “a gente se esbarra”, “a gente cruza por ai” etc.

O amigo está inconsolável. Estava fazendo a coisa certa, deduz, em uma correção como não praticava havia séculos.

Ex-canalha, andava regenerado como em uma letra de samba antigo. Se você jurar, que me tem amor…

Aquele “a gente se vê”, porém, soou ao seu ouvido como o “never more” do corvo de Edgar A. Poe.

“A gente se vê” é uma espécie de “onde está Wally”do amor e da sorte.

É pior do que tentar achar o amor da sua vida na festa dos papangus de Bezerros (PE), o maior baile de máscaras do mundo.

É pior do que a velha desculpa de sair para comprar o Malboro vermelho do abandono sem filtro.

“A gente se vê” não é o mesmo que deixar ao acaso.

Nada mais detestável de ouvir do que a maldita frase. Logo depois a porta bate e nem por milagre.

Pobre amigo P., inconsolável. Um ex-canalha quando soluça desperta a piedade do mais frio dos assassinos.

“A gente se vê” não é o mesmo que “vamos dar um tempo”.

É o gelo baiano do namoro. O que separa de fato, cada um em uma mão na avenida Paulista.

Esse “a gente se vê” deveria ser proibido por lei. Constar nos artigos constitucionais, ser crime inafiançável no Código Penal.

“A gente se vê” é a bobeira-mor dos tempos do amor líquido e do sexo sem compromisso. Da época em que nada fica. Nem o amor daquela rima antiga.

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