sábado, 11 de agosto de 2012



11 de agosto de 2012 | N° 17158
CLÁUDIA LAITANO

Não tem nada ali

Insondáveis são os caminhos que separam os autores que vendem muito daqueles melancolicamente encalhados na prateleira solitária do ostracismo. Quem explica por que uma história tola e pobremente narrada conquista milhões de fãs ao redor do planeta enquanto outra, igualmente tosca, mofa à espera de um leitor?

Neste exato instante, um editor azarado está recusando um original que garantiria os lucros da sua empresa pelos próximos 15 anos. Essa é a angústia permanente de quem abraça um negócio em que experiência e intuição nem sempre são suficientes para antecipar para que lado vai correr a manada antes que a porteira seja aberta, e os bois comecem a correr todos na mesma direção.

O clube dos autores milionários é tão exclusivo quanto inconstante. Um dia você está lá no topo, vendendo livros como água no deserto. No outro, é uma nota de rodapé na história dos autores arquivados no baú sem fundo da irrelevância literária.

Quem ainda lê Harold Robbins, J. M. Simmel ou Sidney Sheldon? Pegue o senhor James Patterson, por exemplo, confortavelmente instalado esta semana no topo da lista da Forbes dos autores que mais ganharam dinheiro no ano passado – inacreditáveis US$ 94 milhões, amealhados com as vendas de ainda mais incríveis 14 livros inéditos lançados no período de apenas um ano. O que o futuro reserva para um autor capaz de escrever livros no ritmo de quem atualiza o Facebook? Façam suas apostas.

Em um depoimento que teve repercussão internacional esta semana, Paulo Coelho atacou o escritor James Joyce por ser “difícil” e celebrou a própria obra por ser “fácil”. Ao contrário do que ele pensa, os autores não são divididos entre “fáceis” e “difíceis” e nem mesmo entre “bons” e “ruins”.

A forma como um livro se comunica com os leitores depende muito mais da qualidade do leitor (o que ele já leu e o quanto está disposto a se esforçar para alcançar um autor que exige um bom repertório de leituras anteriores) do que do livro em si – e o que é obra-prima para uma geração pode muito bem ser uma xaropice para a seguinte.

“Não tem nada ali”, disse Paulo Coelho, a respeito de Ulysses, um livro que há 90 anos motiva leitores de todas as partes do mundo a procurarem na literatura não uma variação comportada do que já é conhecido, mas a provocação, a inquietude, o desafio.

Alçado ao clube dos autores milionários pela sua inegável capacidade de se comunicar com seus leitores, Paulo Coelho, mais uma vez, disse o que muita gente queria ouvir. “Não tem nada ali” é o slogan perfeito para a mediocridade arrogante de uma época que olha com desconfiança para tudo que exige esforço – e considera a erudição uma espécie de ameaça invisível a ser combatida com doses maciças de reality shows, humor pastelão e livros açucarados.

“Não tem nada ali” não diz muito sobre Joyce, mas diz tudo sobre Paulo Coelho.

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