quarta-feira, 8 de agosto de 2012



08 de agosto de 2012 | N° 17155
JOSÉ PEDRO GOULART

Limites

Há limites, devo dizer. Viver em sociedade é saber dos nossos limites, por favor. De modo que, quando olhei para o lado, isso no vestiário da academia, onde submeto meu corpo a cerca de 300 abdominais e outras tantas violências naqueles aparelhos modernos de tortura, enfim, quando olhei para o lado e vi o que vi, pensei nesse relato, modesto, mas como um desagravo.

Um sujeito alto, pelado, cujo quesito “cabelo no corpo” humilharia o Tony Ramos numa modalidade olímpica, usava o secador de cabelos – disponível “para todos”, que estava ali para secar os cabelos de quem estiver querendo também usá-lo (como eu) – de um modo distinto.

O sujeito, naquele momento agachado, secava os dedos do pé (eu mencionei que ele estava pelado?). É que aquela aguinha que fica entre os dedos, se não for bem seca, dá frieira. Especialmente no inverno.

Duas opções de reação. 1 – Arrancar o secador das mãos do pelado/peludo e passar-lhe uma descompostura, em seguida quebrar-lhe o aparelho na cabeça para que entendesse a não desrespeitar o próximo; 2 – Meditar sobre tudo silenciosamente, encontrar algum conceito filosófico profundo e depois repassá-lo com graça e distanciamento como forma de tirar alguma vantagem do episódio.

Escolhi a primeira, claro, mas, diante dos perigos inerentes à escolha, fiquei com a segunda. Vamos lá:

Caras que usam o secador de cabelos coletivo da academia nos pés não tomam Rivotril. Foi o que me veio na cabeça enquanto apertava com força a receitinha azul que trazia no bolso. Aquele sujeito jamais leu Dostoiévski.

Personagens atormentados, culpados, explicando-se ao mundo, enfrentando problemas insolúveis, enredados em conflitos tecidos por aranhas tão gigantes quanto invisíveis. Tem também os que fazem a barba dentro da sauna.

Insisti na meditação. Lembrei que outro dia foi descoberta e reproduzida em laboratório a partícula de Deus. De posse da tal partícula, a gente poderia se reunir, independentemente da vontade Dele, e fazer uma espécie de recall do universo. Que tal? Uma chamada extra para consertar as coisas? Quem sabe uma verdadeira explicação para o nada, o vazio eterno e o brócolis? Talvez uma melhor compreensão da existência, do conceito de justiça?

Enquanto isso, o sujeito resolveu achar que outras partes do corpo também mereciam um calorzinho, afinal tinha bastante cabelo pelo corpo. Começou pelas costas e foi descendo.

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