sábado, 20 de fevereiro de 2016



20 de fevereiro de 2016 | N° 18451 
CLÁUDIA LAITANO

Big data


O aspecto mais perturbador de todos esses rastros de informação que vamos deixando escapar pelo caminho a cada vez que vamos ao supermercado ou entramos em uma rede social é imaginar que nunca soubemos tanto a respeito dos padrões de comportamento da nossa espécie quanto agora.

Durante séculos, nosso telescópio para observar outras vidas, além das que estavam próximas de nós no tempo e no espaço, eram a arte e a filosofia. Qualquer vilão de Shakespeare ou heroína de Tolstoi nos revela mais sobre o caráter humano do que aquilo que somos capazes de observar sozinhos a olho nu. A sensibilidade do artista, em contato com a nossa, podia resultar em uma experiência subjetiva profunda e reveladora: em essência, somos todos muito parecidos uns com os outros, mas é impossível chegar a essa percepção a não ser através de uma jornada individual e única.

O que observamos na internet é revelador também, mas em outra escala e dimensão. Nas redes sociais, encontramos volume, variedade e velocidade de informação – além de acesso, sem filtro e em real time, a reações epidérmicas, como raiva, emoção, medo, compaixão. É como se a internet fosse um telescópio Hubble voltado para os habitantes do planeta Terra o tempo todo, revelando detalhes que até então eram invisíveis ou pouco nítidos do nosso comportamento em grande escala. 

Os milhões de horas assistindo pornografia na internet talvez fossem previsíveis anos atrás, mas quem imaginaria que pessoas sensatas teriam comportamentos virtuais violentos ou que veríamos debates acalorados, globais, sobre a cor de um vestido ou o vídeo de um gato?

Nesta semana, a comoção global causada por um golfinho, supostamente martirizado por uma multidão de turistas no litoral da Argentina, comprovou o que todo mundo que frequenta redes sociais já sabia: o sofrimento presumido de animais costuma causar reações mais imediatas – e violentas – do que o sofrimento real de seres humanos. Curioso, mas não surpreendente.

O que mais me chamou a atenção nesse episódio (ao que tudo indica, falso) foram os comentários violentos voltados não apenas contra os turistas, mas para a nossa própria espécie como um todo, qualificada como torpe, estúpida, falhada, inútil – ou coisa pior. Os fazedores de selfies sem noção, os que não respeitam os animais, os que são apenas rostos e corpos desconhecidos em uma imagem compartilhada indefinidamente, todos poderiam morrer na beira da praia naquele mesmo dia se dependesse de alguns. Desde que o golfinho fosse poupado.

A tecnologia ergueu um enorme espelho a nossa frente – e muita gente, aparentemente, não está gostando do que vê.

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