terça-feira, 2 de fevereiro de 2016


02 de fevereiro de 2016 | N° 18433 
DAVID COIMBRA

O grito de rebeldia


Todo mundo gosta de pizza. Digo-o três vezes, por ser tripla verdade. Minha intenção, já revelei, é escrever sobre a política atual, e, ao falar em verdade “tripla”, não faço referência ao triplex do Lula. Nada a ver. Quero tratar de Bolsonaro. Mas, como ressaltei na coluna anterior, não podemos esquecer que pizzaria é coisa recente, em Porto Alegre. Vem da última curva do século 20.

Lembro da primeira pizzaria rodízio da cidade. Chamava-se Sapeca e ficava nas profundezas da Félix da Cunha. Era uma novidade absoluta. A pessoa podia ir lá, pagar certa importância e comer quanto quisesse. Nós nem acreditávamos. Será que era verdade?

Era.

Não passávamos de uns pirralhos, por volta de 15 anos de idade. Aquilo era... o quê? 1977, talvez. Fazíamos concurso de quem comia mais fatias de pizza. Seis me deixavam totalmente empanzinado. Não sou bom em concurso de comer pizza. O melhor era o Jorge Barnabé, que, numa única noite, engoliu 16 pedaços e voltou para casa mareado.

Essa prova de quem comia mais em pizzaria rodízio se tornou meio que tradição na cidade. Ouvi lendas de façanhas impensáveis, gordos devorando 30 fatias e pedindo sobremesa. Não pode ser verdade.

As pizzarias rodízio se multiplicaram como o zika vírus pela Capital. Lembro-me de algumas que anunciavam “60 variedades”. Era preciso ter imaginação para inventar tanta variedade. Comeu-se, em Porto Alegre (acredite!), pizza de chocolate branco. Uma cidade que come pizza de chocolate branco é uma Gomorra, não há de atravessar os tempos sem conhecer o Flagelo de Deus.

De qualquer maneira, isso tudo prova a popularidade da pizza. Era aonde queria chegar. Ocorre que, outro dia, o Potter usou o amor que as pessoas sentem pela pizza para compor uma imagem relacionada a Bolsonaro. Disse o Potter:

“Hoje, se o PT divulgar que a pizza é o prato preferido do partido, todas as pizzarias do Brasil vão fechar, porque todo mundo vai odiar pizza”.

E é verdade. Os brasileiros não suportam mais o PT, e quanto mais os petistas tentam defender o PT, mais se acirra o ódio pelo PT. São muitas as razões dessa ojeriza, não apenas a corrupção. Mas isso, aqui, não importa. O que importa é que personagens como Bolsonaro são fertilizados exatamente por essa repulsa do brasileiro pelo PT.

Bolsonaro é um símbolo. O PT também. O que está acontecendo, no Brasil, é a espuma de uma onda mundial, é um refluxo hegeliano. Durante décadas, desde o fim dos anos 1960, as consciências ocidentais são pressionadas pela Nova Moral. É uma moral supostamente de esquerda, que reage à antiga moral, dita de direita. Era para ser libertária, mas isso é impossível: toda moral é restritiva. Toda moral fiscaliza e julga comportamentos. Pior: fiscaliza e julga pensamentos.

Bolsonaro, ao gritar seu preconceito, dá um grito de liberdade. Não devido ao preconceito: devido ao grito.

Trump, nos Estados Unidos, faz o mesmo movimento. Sua sinceridade grosseira é um alívio para quem não aguenta mais tanta vigilância.

As pessoas não se identificam com Trump, nem com Bolsonaro. Identificam-se com a rebeldia deles.

Note: à rebeldia, pouco importa o conteúdo; importa a forma. A rebeldia é uma ação física. Uma reação (em geral explosiva) à pressão. No caso brasileiro, a pressão moralista é exercida, há década e meia, pelos petistas. Ficou fácil reagir: se o PT é contra, você é a favor; se o PT é a favor, você é contra. Mesmo que seja algo bom. Mesmo que seja pizza.

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