sábado, 27 de fevereiro de 2016



28 de fevereiro de 2016 | N° 18459 
DAVID COIMBRA

O amor por Gabriela

Acho que amo Gabriela Pugliesi.

Não sabe quem é? Vá ao Google. Também amo o Google.


Não é a primeira mulher que não conheço pessoalmente que amo. A única de quem levei retrato na carteira, para admirá-la onde estivesse e de seus olhos d’água retirar consolo quando precisasse, a única foi a inglesa Jacqueline Bisset. Mas por motivos diferentes do meu afeto por Gabi. Bisset tinha a sua volta uma aragem de tristeza que me comovia. Ela era uma mulher que não ria. No máximo, sorria com condescendência das ridicularias masculinas.

Naquele tempo eu era mais iludido com as mulheres. Hoje continuo iludido, mas nem tanto. Hoje sei que muitas mulheres não riem porque não entenderam a piada.

Com Gabriela não me iludo. Gabriela é um animal dos trópicos. Da areia e do mar. Sua pele e seus cabelos são da cor do ouro que o sol neles derrama todos os dias. O brilho de seus dentes ofusca, tão brancos são. Tudo nela grita: é verão! Verão, verão!

Com Gabriela, a temperatura sempre tem dois dígitos.

O corpo irretorquível de Gabriela nunca foi coberto por mais de 28 centímetros de tecido. Seus shorts são menores do que os das alunas do Anchieta.

Verdade que ela tem tatuagens em demasia. Não precisava tanto. Só aquela na coxa. Mas o abdômen minimalista compensa o excesso de decoração epidérmica. O abdômen de Gabriela, se você lhe bater com o dedo, quebrará o dedo. Adeus, falange. Adeus, falanginha. Adeus, falangeta. É um abdômen pétreo, construído em camadas, como um Lego. O médico que deu o nó no umbigo de Gabriela não é um médico, é um Michelângelo.

O que Gabriela faz da vida? Nada.

Ou, antes: tudo. Gabriela cuida de seu corpo, que é o melhor que poderia fazer. Pratica exercícios com a máxima concentração, alimenta-se com frugalidades, ri, salta na areia, roça-se com o namorado.

Sim, Gabriela tem namorado, e isso não me traz dor. Ao contrário: traz regozijo. Como poderia Gabriela não ter namorado? A lógica estaria corrompida, se não tivesse.

Gabriela, repito, tem namorado, ou marido, sei lá, e volta e meia aparece pendurada em seu pescoço. Pouco importa para o que sinto. Para o que sinto, importa é o que Gabriela representa: a alegria de viver.

Para Gabriela, tudo está e estará sempre bem. Ela só precisa de um vasto mar azul, trilhões de grãos de areia branca e quase nenhuma roupa. E, claro, algumas dezenas de abdominais.

O que ela pensa? Qual a sua opinião sobre a corrupção, o governo do PT, o desastre da Samarco, a alta do dólar, o zika vírus, a homofobia, os preconceitos, o racismo? Não sei, nem quero saber. Se Gabriela militar em algo, se fizer desabafos no Facebook, se estiver revoltada com seja lá o que for, deixarei de amá-la. Estou farto de opiniões definitivas.

Para Gabriela, basta existir, respirar e pisar na carne do mundo. Como aquela nuvem solitária que navega no céu de azul profundo da Nova Inglaterra, como um colibri beijando uma flor no sul do Brasil, como o gato que caminha com elegância felina sobre a calha da casa, como uma grande árvore que lança os braços verdes ao firmamento. Assim são as boas e eternas coisas da vida. Elas são. Por que se há de querer mais?

Nenhum comentário: