24 de fevereiro de 2016 | N° 18455
DAVID COIMBRA
X
Sei que as pessoas andam preocupadas com Lula e as coisas que ele jura não ter, como sítios, celulares e apartamentos, ou com FHC e as coisas que ele admite ter, como amantes e filhos outrora clandestinos, ou com Sartori, que parece não ligar para nada nem ninguém, ou com Dilma e suas mosquitas e mandiocas, sei disso, mas a notícia de que mais gostei, na semana, foi a do ex-Menudo que agora faz xis em Porto Alegre.
Roy, o nome do rapaz. Muito simpático. Foi ao estúdio da Gaúcha e o entrevistamos no Timeline.
Ele é leve e bem-humorado, como soem ser os porto-riquenhos. Dá a impressão de estar satisfeito com a vida. Fez bom sucesso no passado e casou-se com uma miss, que conheceu e conquistou pelo Facebook.
Depois que a matéria sobre ele saiu no Diário Gaúcho, seu xis virou uma espécie de ponto turístico. No fim de semana, não havia mais pão, não havia mais temperos, não havia mais nada para vender.
O nome do xis do ex-Menudo e da ex-miss é Tribom. Sugeri que trocasse para “Não xis reprima”, em homenagem ao maior hit dos Menudos.
O fato de ele agora vender xis em Porto Alegre é emblemático. O xis é uma das poucas criações da culinária porto-alegrense. O xis e o sanduíche aberto, e talvez nada mais.
O xis, aportuguesamento de cheese, é a demonstração do nosso gosto pela abundância. Porque, afinal, esse tipo de prato nasceu do minimalismo, da simplicidade e, sobretudo, da praticidade. No século 18, Lord Sandwich, refinado conde inglês, não queria abandonar a mesa de carteado para fazer refeições. Assim, pedia aos serviçais que cortassem duas fatias de pão e colocassem, entre elas, um bife. O prato lhe era levado à mesa de jogo, onde Sandwich comia sem despegar os olhos da sua mão de cartas.
De Sandwich, portanto, nasceu o sanduíche, avô de todos os correlatos, como os hambúrgueres, os baurus, os cheesbúrgueres e o nosso xis, que um dia até foi cheesbúrger, hoje não mais, tanto que existe o xis-queijo.
Tenho um amigo, hoje rico empresário, que começou com um trailer de xis. Ele se orgulha de conseguir quebrar seis ovos de uma única vez. Aí está algo que eu gostaria de saber fazer, além de tocar violão, dançar tango e assobiar com os dedos na boca. Quebrar um só ovo já exige certa técnica. Sempre fica uma lasquinha, quando vou fazer scrambles. Um homem que faz xis tem esse handicap.
O certo é que não damos a devida atenção à nossa relação com o xis, que é coisa tão nossa. Ninguém contou a história do pioneiro dos xises, o xis-galinha. Ninguém jamais notou que o xis-coração é algo que só vigora no Rio Grande do Sul, e que basta a menção dessa iguaria para causar espanto e até espécie nos estrangeiros.
E, o mais espantoso, nenhum desses milhares de graduandos, pós-graduandos e doutorandos teceu tese sobre a prova máxima de nossa grandiloquência, de nosso desassombro, do nosso caráter definitivo e afirmativo: o Xis-Tudo. Em que outro lugar do mundo alguém pararia em frente a um balcão e ordenaria:
– Me dá um xis-tudo!
Que abertura para a existência haverá de possuir uma população que come algo que tem tudo.
E em que outro lugar do mundo você sentaria na sua cadeirinha de plástico, pediria uma cerveja gelada e um xis-strogonoff, e, em seguida, ao lançar um olhar distraído pelo ambiente, assistiria a um Menudo dançando rumba atrás da chapa, enquanto frita o bacon? Por fim, depois dessa alegre surpresa, em que lugar do mundo você receberia seu xis das mãos de uma miss, talvez com faixa e tudo?
E você só queria comer um xis...
Dilma? Lula? Sartori? Não, não. Pode haver encanto em cantos inesperados do mundo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário