sábado, 6 de fevereiro de 2016



06 de fevereiro de 2016 | N° 18437
PALAVRA DE MÉDICO | J.J. CAMARGO

O PIOR DA INVEJA


Acusar alguém de cínico é classificá-lo automaticamente como inteligente, porque cinismo, tanto quanto senso de humor, não convive com atrofia cerebral. Por isso, é tão deprimente ver o obtuso tentando ironizar ou fazer graça e não parecer mais do que bobo.

Oscar Wilde, um modelo irretocável de cinismo e genialidade, não fazia concessões: “A cada boa impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular, é indispensável ser medíocre”, porque reconhecia nessa intolerância a raiz do mais abjeto dos sentimentos humanos: a inveja.

A expressão extra rudimentar dessa pobreza espiritual é tentar desmerecer o feito de alguém simplesmente por não ser capaz de imitá-lo, quando o salutar seria que a conquista alheia representasse um estímulo a fazer mais e melhor. O detrator não parece perceber que a crítica preconceituosa e vazia serve apenas para sacramentar a sua inferioridade, dolorosa e definitiva. Alguém já advertiu que não devemos anunciar a nossa felicidade alto demais, porque a inveja tem sono leve. Se é assim, cochichemos, mesmo que isso seja injusto com quem fez por merecer.

Perguntei ao Luis Felipe Pondé, o polêmico cronista da Folha de S.Paulo, como lidava com as críticas tantas vezes ferozes dos leitores, e ele foi sucinto: “Esse pessoal não tolera quem tenha opinião, qualquer opinião. Eu não cedo jamais e só escrevo o que acredito. Os discordantes esbravejam e ajudam a vender o jornal. Simples assim.”

Se alguém tiver paciência de acompanhar na mídia, escrita ou virtual, as manifestações dos leitores depois de cada crônica de alguém que cometa a insensatez de opinar, ficará pasmo com a intolerância de quem não suporta conviver com o contraditório sem que isso seja identificado como uma ofensa pessoal. Claro que o protesto fica ainda mais grotesco quando recheado de erros de português, mas a incapacidade de celebrar as diferenças e crescer com elas é certamente um atestado lastimável de nanismo espiritual.

Felizmente, sempre aparece quem defenda o direito à liberdade de expressão, mas esses poucos são soterrados pela legião de indignados furiosos que, se pudessem, construiriam novos fornos para carbonizar seus desafetos.

Escrevendo sobre isso percebi que a impressionante facilidade de opinar oferece às pessoas, antes desprovidas de voz, a possibilidade sem precedentes de expressarem seus sentimentos a ponto de consagrar ainda mais o Facebook, transformado tanto em altar de virtudes exageradas, quanto em incinerador de defeitos camuflados.

A suspeita desconfortável fica por conta da hipótese de que a liberdade de opinião tenha servido apenas para dar vazão a um sentimento ainda pior que o anunciado no início desta crônica: o da inveja reprimida. Esta dói até para digitar.

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