segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016


01 de fevereiro de 2016 | N° 18432 
CÍNTIA MOSCOVICH

SALVE-SE QUEM PUDER


Naquele final de dia, meu marido tinha embicado o carro na entrada da garagem e esperava o portão automático abrir. Foi quando escutou batidas no vidro da porta a seu lado. Era um homem com uma arma. Do outro lado, apareceu outro sujeito, igualmente armado. Levaram automóvel, carteira, documentos, um guarda-chuva e uma grande parte de nossa paz. O carro nunca mais foi encontrado.

Ao longo dos 31 anos em que moramos aqui na casa, esse foi o mais sério dos seis assaltos que enfrentamos. Com medo, fomos colocando grades, cerca elétrica, barreiras com infravermelho, sistema de alarme por calor e movimento, câmeras que nos permitem ver e ouvir até lá na esquina, sirenes e monitoramento da gloriosa Altec 24 horas por dia.

No dia do roubo, enquanto meu marido registrava a ocorrência, me dei conta de que as pessoas que estão do “nosso lado” do balcão têm muito mais medo dos bandidos do que os bandidos têm medo da lei. E esse descompasso gera a baderna, a muvuca, o tudo-pode em que estamos afundados.

Não sei mais o que os cidadãos comuns podem fazer para conter tanta violência, mas uma coisa é certa: ninguém é honesto e ordeiro por amor à lei (embora haja os que amem a justiça). As pessoas são honestas porque primeiro aprenderam a temer a punição estabelecida em lei, depois criaram vergonha na cara e, graças ao trabalho, acumularam coisas boas o suficiente que justifique ter medo de perdê-las. No frigir dos ovos, como está naqueles famosos Dez Mandamentos, o que a lei dispõe é o respeito ao direito do outro, que é o único jeito de viver em sociedade. 

Por não ter medo da lei muito menos vergonha na cara, as pessoas tanto roubam um carro à mão armada quanto ficam contando lorota para o fiscal da prefeitura que veio ver por que o estabelecimento está trabalhando sem alvará.

Assim como nunca soube que fim levou nosso carro, tampouco sei como se faz para que os delinquentes tenham medo da lei. De uma coisa eu sei: com o rastreador que foi colocado no carro novo, posso encontrá-lo onde quer que esteja. Tudo no melhor estilo salve-se quem puder. Uma tristeza.

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