segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016


22 de fevereiro de 2016 | N° 18453 
DAVID COIMBRA

O maior de todos os roubos


O maior roubo de obras de arte da história da América ocorreu num museu aqui de Boston, o charmoso Isabella Stewart Gardner, em 1990. Contei, tempos atrás, que o museu continua oferecendo uma recompensa de US$ 5 milhões para quem fornecer uma pista que leve aos ladrões. É troco, já que o produto do roubo está avaliado em mais de meio bilhão de dólares, ou R$ 2 bilhões.

Visitei esse museu no fim de semana. Fica na casa em que morou Isabella, uma riquíssima senhora do século 19 que entrou em depressão ao lhe morrer a filhinha de dois anos de idade. Para se curar, ela tomou o doce remédio dos abastados: viajou por toda a Europa e de lá trouxe magníficas obras de arte, com as quais se cercou.

A beleza salvou Isabella.

Nesse seu lindo palácio de estilo veneziano, com moderno anexo concebido pelo famoso arquiteto italiano Renzo Piano, Isabella montou um museu com preciosidades de artistas como Albrecht Dürer, renascentista alemão autor de algumas telas que parecem saídas de filmes de terror. A que mais me impressiona é um retrato que ele fez da própria mãe. Que, aliás, também parece saída de um filme de terror.

Há ainda Van Dyck, Giotto, Manet, Rubens, Matisse, Rafael e o gênio dos gênios, Michelângelo.

Há Vermeer, o holandês que pintou Scarlett Johansson 300 anos antes de ela nascer. Há Botticelli, que pintou uma Vênus muito parecida com uma namorada que eu tinha. Há Degas, que não é o degas aqui.

Há Pinturicchio, o “pintorzinho”, assim chamado por ser “homem delgado”, na descrição de seus contemporâneos. Há Tintoretto, que ganhou esse apelido não por causa das tintas que usava, mas porque seu pai era tintureiro.

Há Bellini, quatrocentista veneziano, ilustre membro de uma família que gerou muitos pintores e um dos maiores zagueiros do futebol brasileiro, capitão da Seleção de 1958, inventor do gesto de erguer a taça acima da cabeça, o símbolo máximo de todas as conquistas.

Há Fra Angelico, padre artista que, além de gerar belas telas de tema sacro, deu nome a um ótimo licor de avelã que vem numa garrafa em forma de frei – já fui consumidor entusiasmado de Frangélico.

Há também, no elegante Isabella Stewart Gardner, obras do alemão Hans Holbein. Esse pintor é protagonista de uma história que urge contar.

Holbein era o pintor preferido do rei Henrique VIII, um dos personagens mais interessantes da história da Inglaterra, sobretudo devido ao seu envolvimento com mulheres. Henrique teve seis esposas. Duas mandou decapitar.

Numa das fases de entre-esposas, o conselheiro do rei, Thomas Cromwell, sugeriu que ele se casasse com a alemã Ana de Cleves, a fim de fazer uma aliança política. Henrique achou boa ideia, mas ficou apreensivo: como seria essa Ana? Ela não tinha perfil no Facebook, nem fotos no Google. Tampouco ele podia pedir-lhe que mandasse nudes pelo Whats. A saída foi enviar Holbein à Alemanha para que pintasse o retrato da moça. Holbein foi, pintou e voltou. Henrique viu o quadro e se agradou. Contratou casamento. Mas, quando ela chegou à Ilha, o rei tomou um choque. A primeira frase que pronunciou, ao vê-la, foi:

– Não gosto dela! Felizmente, Ana nunca havia feito curso de inglês e não entendeu nada. Era tarde para desistir, Henrique teve de se casar, mas o fez a contragosto. Na hora da cerimônia, olhou para Cromwell e rosnou:

– Se não fosse pela Inglaterra, eu não faria o que estou prestes a fazer por nada deste mundo!

Naquele momento, Cromwell compreendeu que perdera prestígio. Pouco tempo depois, perderia a cabeça.

O rei acabou anulando o casamento. Holbein, surpreendentemente, continuou querido na corte. E o espaço desta coluna terminou. Vou ter que prosseguir amanhã, porque há coisa boa a relatar.

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