27 de fevereiro de 2016 | N° 18458
DAVID COIMBRA
Chega de alienação
Agora, com o fim do Carnaval e a reabertura da temporada, o que espero é que o futebol não se contamine pelos humores da política. Deixem as paixões para governistas e oposicionistas. No futebol, o que se quer é a seriedade e a serenidade, a reflexão e a competência.
Porque, por favor!, esse povo só quer saber de política, política, política. Se o brasileiro usasse 10% do tempo que gasta discutindo política para pensar nos problemas do futebol, nossos times estariam em outra situação.
Mas, não. O brasileiro é um povo alienado. Seus interesses são eleições e debates no Congresso. O resto? É o resto. Política: o ópio do povo.
É a decadência dos tempos. São as novas gerações. Houve época em que discutíamos a escalação da Seleção Brasileira como hoje as pessoas discutem a formação do ministério. Aliás, foi isso que o técnico alegretense-comunista-botafoguense-gremista-jornalista João Saldanha mandou dizer para o presidente-general-ditador-gremista-bajeense Emílio Garrastazu Médici em 1969. Médici sugeriu que Saldanha convocasse o centroavante Dario, o Peito de Aço, para a Copa de 1970. Saldanha tascou:
– O presidente nunca me ouviu quando escalou o ministério. Por que diabos eu teria que ouvi-lo agora para escalar a Seleção?
Dizem que foi por essa frase que Saldanha perdeu o cargo. Não foi só por isso. Ele já havia arrumado uma fieira de problemas com dirigentes e jogadores. Um deles com, imagine, Pelé. Saldanha dizia que Pelé sofria de problemas graves de visão. “O negão está ficando cego”, chegou a confidenciar a amigos. Há quem suspeite de que se tratava de uma preparação para o corte de Pelé. Se era, felizmente Saldanha foi cortado antes.
Mas o que interessa nessa história é mostrar que o que motivava o brasileiro, naqueles anos dourados, era o futebol. E tínhamos Pelé e Tostão, e a gurizada cantava uma paródia de Criança Feliz pelas ruas:
Tomava café
Se eu fosse o Tostão
Tirava o calção
Quer maior expressão de brasilidade?
Mas não eram apenas as crianças. Os melhores compositores se debruçavam sobre o futebol para fazer suas canções. O sambista Luiz Américo foi autor de um dos grandes versos do cancioneiro popular. O seguinte:
Bateu o leiteiro na porta
E gritou bom dia
As luzes já se apagaram
Só não vejo Maria
Uma delicada poesia a respeito de um homem que, por amor, aceita até a traição da mulher amada, apesar da advertência dos amigos. Sim, porque, a folhas tantas, Luiz Américo confessa:
Os meus amigos me falam:
“Esquece a Maria
Ela nasceu com o samba
Ela é da folia”
Às vezes chego a pensar que é pura verdade
Mas, se ela demora a voltar, esqueço a realidade
Eis a paixão vencendo o intelecto. Como sempre.
Mas o que queria falar, acerca de Luiz Américo, é que seu maior sucesso foi, justamente, um samba em que ele debate a escalação da Seleção que disputaria a Copa de 1974. Camisa 10 é o título, em referência à falta que o time já sentia de Pelé. Na letra, o compositor aconselha o treinador:
“Desculpa, seu Zagallo, mexe nesse time que tá muito fraco”.
E depois cita alguns jogadores da época: Flecha, ponta que, junto com o volante Ivo, foi trocado pelo Grêmio por Tarciso, depois chamado de Flecha Negra; Jairzinho, o Furacão da Copa de 1970; Rivellino, o Garoto do Parque, o Patada Atômica, o melhor de todos depois do melhor de todos, Pelé; Luizão Pereira e Leão, ambos da Academia do Palmeiras; Palhinha, do Cruzeiro, que calçava 37 e meio, só usava chuteiras feitas na Europa e que, apesar do cabelo à escovinha, era o último a sair do vestiário, porque ficava se penteando.
Jogadores! Nós cantávamos jogadores! Nós éramos campeões! Hoje, só queremos discutir Dilmas, Lulas, Aécios, Fernandos Henriques, Cunhas. Por isso estamos assim. Quando voltaremos a ser brasileiros?
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