terça-feira, 2 de fevereiro de 2016



02 de fevereiro de 2016 | N° 18433
ARTIGO - HUMBERTO TREZZI*

TIRARAM O MUNDO DA TOMADA

Sim, sou mais um dos milhares que sofreram com o vendaval (microexplosão, tornado?) que se abateu sobre a área central de Porto Alegre na sexta. Na noite de sexta, sacudido pelo vento, “naveguei” com meu carro em meio ao turbilhão de água até chegar em casa. Com janelas abertas, a sala do meu apartamento ficou encharcada. Até agora estou sem água... Não, essa não é uma queixa contra as autoridades. Creio que fizeram o possível, diante da magnitude do desastre.

O texto é apenas para reforçar o quanto nossa dependência de energia é abissal. Não é à toa que, em guerras ou atos terroristas, um dos principais alvos é sempre a central elétrica. Sem eletricidade, nós simplesmente não sobrevivemos. E não falo apenas da dependência em relação à internet, fenômeno moderno, mas difícil de lidar – minha filha de 21 anos que o diga.

Porto Alegre, nas madrugadas de sábado e domingo, parecia cidade de filme de zumbi, classe B. Bandos peregrinando por ruas às escuras, em meio a árvores e postes caídos, emaranhados de fios. A Cidade Baixa, motor notívago da Capital, virada num breu, iluminada apenas pelos faróis de escassos carros que se arriscavam pelas avenidas. O Centro e o Menino Deus, manchas escuras, repletas de obstáculos – várias vias interrompidas. Na sexta-feira, para piorar, fios desencapados expeliam chamas, tornando o cenário apocalíptico.

Poucos lugares abriam para venda. Como pagá-los, se as máquinas de cartões bancários não operavam sem luz? Quem foi pego desprevenido de cédulas de dinheiro, como eu, teve de peregrinar atrás de grana.

Por dois dias, me somei a multidões que vivenciaram o mesmo drama que atinge cotidianamente cidadãos da periferia. Baldes de água espalhados pela casa, chuveiro sem sair uma gota, busca por algum amigo da outra ponta da cidade que tivesse água para um banho. Comidas estragadas. Caos. Incerteza. Escuridão até para subir as escadas do prédio. Nada como um pouco de sofrimento para redescobrir a solidariedade.

Aí, na noite de domingo, a luz voltou. Aleluia. Fiat lux! (Faça-se a luz!, em latim, remetendo à criação do mundo descrita no Gênesis bíblico). Fica o espanto: bastam três dias para nossa rotina virar de cabeça para baixo. Imaginem se tiram de vez o mundo da tomada. Hora de valorizar esse bem tão invisível, a energia nossa de cada dia.

Jornalista, repórter especial de ZH*

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