quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016



03 de fevereiro de 2016 | N° 18434
EDUCAÇÃO


ALGUÉM DEVE PAGAR PELA FACULDADE PÚBLICA?

ALUNOS COM RENDA FAMILIAR SUPERIOR A 30 SALÁRIOS MÍNIMOS pagariam anuidade nas universidades, propõe senador. Economistas apoiam, e educadores acreditam que seria criada mais desigualdade

Nos Estados Unidos, não é incomum que bebês de classe média já nasçam com uma conta poupança reservada para os gastos com Ensino Superior no futuro. Depois de formados, a realidade para muitos é enfrentar grandes dívidas estudantis. Ainda que as anuidades sejam inferiores às de universidades privadas, as faculdades públicas no país são pagas. Quem não for contemplado com uma bolsa tira do próprio bolso para cursar a graduação.

No Brasil, ricos e pobres podem conquistar um diploma universitário sem pagar mensalidade. O caminho? Estudar bastante para ficar entre os mais bem colocados em concorridos vestibulares para as universidades públicas. Em tese, é um modelo mais igualitário. Mas as estatísticas comprovam que o acesso não é tão universal.

Em 2004, segundo dados do IBGE, os estudantes que pertenciam aos 20% da população com os maiores rendimentos familiares representavam 54,5% do total de alunos no Ensino Superior público. Os 20% dos brasileiros com menor renda familiar representavam apenas 1,2% de universitários.

Políticas públicas – como as de cotas e as de financiamento – e a ascensão da classe C (jovens que antes precisavam trabalhar exclusivamente para ajudar no sustento da casa puderam se dedicar aos estudos) reduziram a discrepância. Em 2014, os mais ricos eram 36,4%, e os mais pobres, 7,6%.

Ainda que os dados mostrem um avanço na democratização, o senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) acredita que o abismo entre os mais pobres e os mais ricos no Ensino Superior pode diminuir se os mais privilegiados passarem a pagar pelos estudos. Esse foi o motivo para apresentar o projeto de lei 782/2015 em dezembro. Crivella propõe que estudantes com renda familiar superior a 30 salários mínimos (R$ 26,4 mil) paguem uma anuidade para frequentar universidades públicas. 

O valor da cobrança, conforme consta no texto do projeto, seria calculado com base nos custos por aluno em cada curso. “A maior parte das vagas nas instituições públicas é ocupada por estudantes que poderiam pagar, com maior ou menor sacrifício, os seus cursos nas universidades privadas, impedindo, indiretamente, que tais vagas sejam oferecidas a estudantes reconhecidamente carentes dos recursos necessários, muitas vezes até, para pagar as próprias taxas dos exames vestibulares”, justifica o senador no projeto de lei.

Crivella argumenta que uma mudança na lei também arrecadaria mais fundos para as instituições que, segundo o senador, “andam à míngua de recursos”. Por e-mail, via assessoria de imprensa, o senador diz que o sistema de cotas é adequado, mas sua proposta não é excludente. E questiona: “De que adianta para um aluno que pode pagar ter a universidade gratuita, mas sem estrutura por dispor de poucos recursos?”.

QUEM PAGA ACHARIA QUE TEM MAIS DIREITOS, CRITICA ESPECIALISTA

A proposta não agrada Daniel Cara, coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, que agrega uma rede de grupos e entidades. Ele cita os recentes debates sobre o tema no Chile e nos EUA como exemplos de um movimento que caminha no sentido contrário. No país sul-americano, acaba de entrar em vigor a lei do ensino universitário gratuito, aprovada em dezembro de 2015. Nos EUA, uma geração de endividados está no cerne da discussão sobre o quão justo seria o sistema vigente. 

O valor total da dívida estudantil no país já ultrapassa US$ 1,3 trilhão. De acordo com The Institute For College Access and Success, uma ONG que trabalha para tornar a educação superior no país mais acessível, em 2014, 69% dos estudantes que se formaram em universidades públicas ou sem fins lucrativos saíam com algum tipo de endividamento. A média por aluno era de US$ 28.950, o equivalente a mais de R$ 117 mil.

Para Daniel, implementar uma forma de cobrança de mensalidade ou matrícula para os mais ricos, por meio de mudança na lei, abriria fortes precedentes para uma diminuição do limite estabelecido conforme a renda familiar no futuro.

– A chance desse patamar descer para as classes mais baixas é grande. Você abre uma porteira para uma visão equivocada de como deve ser a universidade. A curto prazo, se criaria outro tipo de estudante: o que acha que tem mais direitos porque paga – avalia.

À frente da entidade cuja bandeira principal para democratizar o ensino superior é a criação de políticas afirmativas, Daniel defende uma reforma tributária, investimentos na educação básica e assistência aos universitários carentes durante os estudos.

– A desigualdade nas universidades é um sintoma, não uma causa. O Brasil é desigual – pondera.

Maria Beatriz Luce, professora titular de política e administração da educação na UFRGS, defende a mesma bandeira. Ela, que já foi conselheira por dois mandatos do Conselho Nacional de Educação (CNE), nas câmaras de Educação Básica e Superior, enxerga um progresso anual.

– No atual momento histórico, o Ensino Superior público gratuito é essencial para a democracia no Brasil. As universidades não podem ser excludentes, nem para os mais pobres nem para os mais ricos. Além da produção de conhecimento científico, as instituições têm função de formação do cidadão – afirma Maria Beatriz.

paula.minozzo@zerohora.com.br

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