14/02/2016 02h00
Clovis Rossi
Uganda não é aqui. Que pena
Uganda ocupa o 163º lugar entre os 188 países listados no ranking de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas.
Ainda assim, tem lições a ensinar a um Brasil teoricamente mais desenvolvido (é o 73º), ao menos no que se refere ao vírus da zika, a mais recente das incontáveis tragédias que açoitam o país.
Para começar, foi precisamente em Uganda que primeiro se detectou o vírus (no sangue de macacos), no já remotíssimo ano de 1947.
Trabalho do Uvri (Instituto de Uganda de Pesquisa de Vírus).
Para comparação: o Uvri foi criado (em 1936, com nome diferente) com financiamento da Fundação Rockefeller, ao passo que os institutos similares no Brasil dependem de verbas oficiais, que são sempre escassas, mesmo em épocas de bonança. Imagine agora.
Segunda comparação: vale para o Brasil a descrição que faz de Uganda Julius Lutwama, principal pesquisador do instituto ugandense, para a "Foreign Policy":
"Temos ampla flora, ampla fauna e, claro, boa temperatura, bom clima. E o que é bom para humanos é bom também para vírus." No entanto, não houve em Uganda, como não há agora, um surto nem sequer parecido de zika.
Há duas explicações para isso: primeiro, o fato de que, sempre segundo Lutwama, "a zika sempre foi uma afecção benigna. De cada cinco ou dez pessoas infectadas, apenas uma ou duas apresentam um pouco de febre".
A segunda explicação é que serve de exemplo para o Brasil: "Eles [o Uvri] estão sempre monitorando as condições, de forma que não ocorra um surto para o qual eles não estejam prevenidos", disse à "Foreign Policy" Martha Kaddumukasa, entomologista da Makerere University, que já foi pesquisadora do Uvri.
De fato, relata a revista, o instituto ugandense coleta e monitora parasitas e amostras de sangue de pacientes de todo o país, em busca de atividades virais inusuais.
Também mapeia padrões de doença, tanto em pessoas como em animais, para alertar os trabalhadores da saúde para doenças fora dos padrões e para o que fazer quando elas aparecem.
Esse trabalho preventivo –virtualmente inexistente no Brasil– explica, por exemplo, a relativa imunidade de Uganda ao recente surto de outro vírus, o ebola. Em Uganda, os mortos foram 21, enquanto na África Ocidental morreram mais de 11 mil.
Atenção, não estou dizendo que Uganda é um modelo de saúde pública a ser seguido por todo o mundo subdesenvolvido ou em desenvolvimento. Se fosse, não estaria 90 posições atrás do horrível Brasil.
O que estou dizendo é que, mesmo em condições precárias, é possível ter boas práticas para minimizar os efeitos de surtos que surpreendem as autoridades, como está ocorrendo agora com a zika.
O problema é que se trata de uma doença majoritariamente de pobres. Escreve Clare Wenham, pesquisadora de Políticas Globais de Saúde na London School of Economics: "Zika é uma doença da pobreza, assim como outras doenças tropicais negligenciadas, como chikungunya e dengue".
Pena que até a pobre Uganda dê mais atenção aos males de seus pobres que o Brasil.
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