sábado, 6 de fevereiro de 2016


07 de fevereiro de 2016 | N° 18438 
DAVID COIMBRA

Velhos Carnavais


Agora, aqui, olhando para a neve que flutua em flocos do tamanho de uma moeda de um quarto de dólar, tornando branca a paisagem da Nova Inglaterra, agora, aqui, a suspirar, lembro de velhos Carnavais.

Nós temos um grupo no Facebook, nós, antigos foliões do célebre Bloco Carnavalesco Ala-la-ô, de Cachoeira do Sul. Éramos cerca de 35 meninos e 55 meninas, a proporção de gêneros exata para que um bloco de Carnaval faça sucesso. E o Ala-la-ô fez sucesso, oh, sim.

Talvez bebêssemos demais, naquele tempo. Lembro do Café (apelido para CArlos FErnando) sempre com um enorme abacaxi na mão. Ele não era vegetariano: o abacaxi estava sempre cheio de vodca. Uma vez, alguém roubou a garrafa de uísque do Meia (apelido para Zé ColMEIA), e ele ficou muitíssimo magoado. Foi ao microfone do sistema de som montado pelo estudante de engenharia Rocha e pediu que devolvessem a garrafa. Não pela bebida, mas “por razões sentimentais”. Ou será que a garrafa não era do Meia, e sim do Iba (apelido para IBAnez)? Pode ser...

O fato é que as concentrações eram tão empolgantes, que abalavam a estrutura organizacional do bloco no momento do nosso “desfile” no salão do Rio Branco. Sempre nos atrasávamos para a entrada no clube. Chegávamos entre duas e três da madrugada, com desfalque de integrantes que haviam ficado pelo caminho para beber mais uma cerveja, para ir atrás daquela moreninha fantasiada de índia ou porque simplesmente tinham decidido continuar na concentração para colocar mais vodca no abacaxi.

Essas questões logísticas nos faziam perder campeonatos para o mais disciplinado Bloco do Sol, nosso maldito arquirrival. Uma noite, ganhamos uma tacinha do tamanho de um celular, tipo “bloco simpatia”. O Gilson, sempre tão quietinho, se enfureceu e sapateou em cima da taça, sendo retirado à força pelos seguranças. Gritava, enquanto era arrastado para fora:

– Roubados! Fomos roubados! Golpe!

Sim, tinha sido um golpe sórdido. Aqueles caras do Bloco do Sol não passavam de uns coxinhas dos anos 1980.

Fui vitimado por uma devastadora e roaz paixão de Carnaval no Ala-la-ô, e todos sabemos que as paixões de Carnaval são as mais devastadoras e roazes. Mas sabe que o maior enigma dos meus Carnavais nem foi o que havia por detrás do verde enigmático dos olhos daquela menina? Não. Foi o que me ocorreu em outro Carnaval, com uma moça de quem nem lembro o nome. Contei essa história faz tempo, mas o mistério ainda não se desfez. Quem sabe alguém, agora, me ajudará a desfazê-lo.

Conheci-a num baile do Zequinha, de Porto Alegre. Ela era morena e tinha a pele macia. Usava uns shorts curtos. Sorria um sorriso de luz. Nos beijamos na primeira noite e, ao nos despedirmos, ela sussurrou com a voz morna das promessas quentes:

– Esta manhã... vem me ver... no meu apartamento...

Uh! Gol do Brasil!

Ela morava no Jardim Lindoia. Cheguei todo faceiro, pronto para o amor. Ela me recebeu vestindo uma calça apertada e um olhar sério. Mal entrei, observou:

– Eu estou com o cabelo molhado.

Olhei para o cabelo dela. Realmente. Estava molhado. Achei que devia comentar alguma coisa, mas não soube o quê. Peguei em sua delicada mãozinha, pretextando romance. Mas ela se esquivou e perguntou:

– Sabe por que estou com o cabelo molhado?

Pisquei: – Ahn... Não... Tentei beijá-la para mudar de assunto, mas ela se afastou e repetiu:

– Sabe por que estou com o cabelo molhado?

Calculei que fosse alguma sugestão maliciosa. Falei, meio de viés:

– Hmmmm... posso imaginar mil coisas para fazer com seu cabelo molhado...

E já fui me chegando, mas ela de novo me driblou e tascou:

– O que você faria com o meu cabelo molhado?

Hesitei. Fiquei fazendo aaaahn para tentar ganhar tempo. Ela tornou, inflexível:

– Sabe por que estou com o cabelo molhado? Sabe por que estou com o cabelo molhado?

Eu não sabia. Fui embora sem saber. Não sei ainda. E, a cada Carnaval, me questiono, à procura de uma resposta: por que aquela desgranida estava com o cabelo molhado?

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