quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016


11 de fevereiro de 2016 | N° 18442 
L. F. VERISSIMO

Jogo secreto


Alguém já disse que rugby é o futebol americano pra homem. Os dois são esportes violentos, mas os jogadores de rugby não usam nenhum tipo de proteção, enquanto os do football se protegem dos capacetes de astronauta aos pés. A piada é um pouco injusta. Apesar da proteção, jogadores de futebol americano se machucam com mais frequência do que os de rugby, e são tantas as consequências dos choques constantes durante uma partida, e as sequelas neurológicas que perseguem ex-jogadores, que já se cogitou até proibir o esporte.

O Super Bowl do último domingo foi um jogo feio, truncado, que ainda teve que competir, como espetáculo, com o show do intervalo e as coxas da Beyoncé. Mas foi uma boa amostra da violência do esporte, tanto que sua melhor figura foi o defensor dos Broncos, que conseguiu chegar mais vezes ao quarterback dos Panthers e, literalmente, patrolá-lo. 

O quarterback é quem determina, por sua conta ou obedecendo a instruções do técnico, que tipo de jogada será tentada, se ele fará um passe ou dará a bola para um subalterno carregar através das linhas inimigas. É o intelectual do time e, como qualquer intelectual, precisa de tempo e tranquilidade para pensar no que fazer. Os armários alinhados na sua frente estão ali para lhe garantir o tempo e a tranquilidade, que no domingo, para o quarterback dos Panthers, nunca vieram.

Os armários encarregados de proteger o quarterback e fazer o trabalho pesado do time são, geralmente, afrodescendentes. Até há pouco tempo, nenhum quarterback num time de futebol americano era afrodescendente. Era uma tradição nunca claramente explicitada, mistura de estereotipagem racial e pura discriminação, consciente ou inconsciente. 

Hoje, ainda é raro ver-se um negro na posição. E uma dessas raridades é Cam Newton, não apenas o quarterback dos Panthers mas a sua principal estrela, com comportamento de estrela. No Super Bowl de domingo, aconteceu outro jogo, secreto, implícito. De um lado, Peyton Manning, um quarterback branco clássico, em fim de carreira. No outro, o brilhante Cam Newton, negro, segundo muitos um o modelo para um novo tipo de quarterback. A tradição contra os novos tempos. Ganhou a tradição.

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