domingo, 21 de fevereiro de 2016


21 de fevereiro de 2016 | N° 18452 
ANTONIO PRATA

Breve manual da ninada


Que em 11 anos de escola nos falem sobre a acentuação dos ditongos, a função das mitocôndrias e os números atômicos dos alcalinos terrosos, mas jamais nos ensinem a ninar um bebê é, certamente, um sintoma da inversão de valores do mundo contemporâneo. 

(Outros sintomas são a pochete, o pau de selfie e a batata frita sabor churrasco, mas como pochetes não dormem, paus de selfie não urram às três da manhã e batatas fritas sabor churrasco não são sangue do nosso sangue – a não ser, é claro, que você seja uma batata – vamos nos concentrar nos bebês). Eu, que tive de aprender na marra como passar um recém nascido dos meus braços aos braços de Morfeu, deixo aqui minha humilde contribuição a nossa desarvorada humanidade: o breve manual da ninada.

Antes de mais nada, é preciso entender que embalar um bebê não é um momento fofo de intimidade e carinho. Momento fofo de intimidade e carinho é dar banho, é ler livrinho. Botar um bebê para dormir é guerra. É final de campeonato. Por isso sou praticante da ninada de resultados, a ninada gaúcha, a ninada espartana. O que importa não é o ninar bonito, é o ninar vitorioso. (Em tudo mais sou 1982: na ninada, sou 1994). Um a zero (sendo o um pro sono e o zero pra vigília) é a goleada que estamos buscando. E como alcançá-la? Com garra, determinação e repeito ao professor – eu. Leia com atenção.

Está em qualquer livro: bebês gostam de rotina. Eles passaram 40 semanas boiando no escuro e ouvindo tum-tum, tum-tum, tum-tum. Aí, chegam nesse fuzuê térmico, bota roupinha, tira roupinha, álcool no umbigo, flash no olho, Ilariê nos ouvidos e dá-lhe bilu-bilu: o bicho fica confuso, o bicho chora. O que é a ninada, no meio dessa barafunda? É o choque de rotina. 

Você o chacoalha unindo os movimentos do corpo ao ritmo de uma música e ele pensará, aliviado, que há alguma ordem e sentido do lado de cá do útero. É mentira, claro, mas o importante aqui é fazê-lo dormir, não lhe dar a real sobre a existência. (A real sobre a existência ele vai descobrir sozinho, na primeira vez que um grandão do Jardim II roubar – ou comer – suas bolas de gude).

Quanto à música, tanto faz Sapo Cururu; E-E-Eimael, um democrata Cristão; Ô, o campeão voltô-Ô-ô-Ô-ô: o importante é que você se apegue a um refrão, se atenha ao ritmo e vá em frente. Quanto ao movimento: tá mais pra motor de popa do que pra bossa nova. É preciso impor o seu ritmo de jogo sem se intimidar com o adversário. You’re the boss. 

Mesmo sabendo que agora é ele que manda na casa, que é em torno dele que girará a sua vida e que o seu narcisismo de geração X ou Y ou Z te impedirá de frustrar qualquer milímetro das expectativas daquele pequeno ditador, faça um esforço para agir como adulto e trate o bebê como se ele fosse uma criança. Por fim: insista ao menos cinco minutos antes de mudar de música, de ritmo e de posição.

É simples? Muito. Funciona? Pouco. Às vezes o bebê dorme rápido, às vezes não dorme nunca, às vezes acorda assim que rela a bunda no berço. Por quê? Ninguém sabe, mas pelo menos você terá a segurança de que, mesmo com resultados oscilantes, está fazendo a coisa certa – e acredite, insone leitor, na selva da paternidade, isso já é um imenso consolo. Boa sorte. (Você vai precisar).

*ANTONIO PRATA É ESCRITOR, AUTOR DE MEIO INTELECTUAL, MEIO DE ESQUERDA (2010) E NU, DE BOTAS (2013). ESCREVE SEMANALMENTE NESTE CADERNO

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