sábado, 6 de fevereiro de 2016



06 de fevereiro de 2016 | N° 18437 
CLÁUDIA LAITANO

Educação pela pedra

O que a bonança incha, a pindaíba enxuga. A escassez nos obriga à reflexão, à criatividade, ao reexame de prioridades, ao estoicismo. Com seu minimalismo compulsório e horror ao desperdício, a crise nos torna até mais elegantes. A ostentação, esta recente e barulhenta paixão nacional, míngua a olhos vistos – e qualquer impulso vulgar de consumismo é contido, se não por gosto ou opção moral, pelos humores bem menos filosóficos de um cartão de crédito estourado. Mais refinado do que começar o ano com resoluções de frugalidade e consumo consciente só mesmo se o hit do Carnaval fosse uma sonata de Bach.

Infelizmente, toda essa contrição circunstancial talvez contrarie nossa natureza pródiga e imprevidente. O mais provável é que ali, em um horizonte ainda remoto de fim ou alívio da crise, voltemos todos ao ritmo errático de sempre.

Mas e se fosse diferente?

Serviria de consolo imaginar que é possível extrair algum tipo de lição deste encolhimento geral da nação – uma “educação pela pedra”, como no poema de João Cabral. Se o consumismo finalmente saísse de moda, se água e luz fossem tratadas como bens preciosos, se não esperássemos que os governos resolvessem todos os problemas, se com um limão fizéssemos não uma, mas duas limonadas (a segunda para doar, vender, guardar, trocar, compartilhar...), nossa peregrinação rumo ao próximo oásis de otimismo talvez fosse um pouco menos árdua.

Nesta semana, o aperto do torniquete na área cultural precipitado pela crise nos obrigou, por exemplo, a encarar o que nos tempos de bonança vínhamos empurrando com a barriga. Em Brasília, o Tribunal de Contas da União finalmente entrou em cena para acabar com uma das principais distorções da Lei Rouanet: o uso de dinheiro público para bancar o marketing barato de empresas privadas e o financiamento de projetos culturais autossustentáveis (Rock in Rio e Cirque du Soleil são os exemplos mais extremos). 

Talvez a pindaíba tenha inspirado o TCU a expressar o que é apenas senso comum: se o governo federal vai abrir mão de impostos para fortalecer o setor cultural, que seja para investir em projetos relevantes que precisam de apoio e não para aumentar o lucro de quem, com ou sem qualidade artística, atrai seu próprio público.

Por aqui, o fechamento do Margs e da Casa de Cultura Mario Quintana por alguns dias serviu para escancarar a penúria de dois dos principais equipamentos culturais do Estado (imaginem o resto...). A culpa é da crise, sim, em grande medida, mas o problema que não vai desaparecer depois da crise é a histórica precariedade de orçamento e gestão desses e de outros equipamentos culturais públicos. 

Enquanto outros Estados têm buscado alternativas, como diferentes modelos de parcerias com a iniciativa privada, os gaúchos continuam sonhando com o milagre da multiplicação infinita de recursos – com diferentes partidos se alternando no poder sem que a política cultural consiga ultrapassar o horizonte estreito dos quatro anos de um governo.

A pedra ensina, sim, mas é preciso querer aprender.

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