sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016


Jaime Cimenti

Casal no restaurante

- Quem sabe tu larga essa praga desse celular, dá uma bicada na tua caipirinha e a gente conversa um pouco? - Para que falar desse jeito? É que eu estava respondendo uma mensagem tua, pedindo urgente o endereço do psicólogo. E tu, que estava grudada no celu até há pouco? Quem falando?

- Tava falando com a tua mãe, se tu quer saber. Tu não liga para ela e aí ela me liga toda hora. De mais a mais, tu podia me mandar o contato do terapeuta depois da janta, não era tão urgente assim.
- Não sei por que tanta irritação. Qual o problema de um casal antigo estar num restaurante, falando ou clicando nos celulares, enquanto aguarda a comida? Saco, parece coisa de politicamente correto.
- Bom, ao menos agora a gente está conversando, até se olhando olho no olho.

- Isso, estamos conversando sobre a falta de conversa que o celular anda causando. Já é um tema de conversa. Já é alguma coisa. Tu tem algum outro assunto?

- Engraçadinho. Fica brincando com coisa séria. Quem sabe tu amadurece um pouco, aprende a conversar. A propósito, queria te falar do problema aquele do vazamento da área de serviço. O cara marcou e não apareceu.

- Vou ter que ligar de novo. Tu já poderias ter ligado, não é? Tudo bem. Mas não vamos nos estressar. Toma aí tua cerveja. Ah, ainda bem, chegou o filé da casa, para duas pessoas, com ovos, fritas, arroz, feijão mexido, salada, aipim, polenta e batata doce assada. - Legal, esse prato, essa quantidade e o preço. Relação custo-benefício excelente. Parabéns pela escolha, de vez em quando tu dás uma dentro!

- Gracinha. Melhor a gente comer quieto, se concentrar, mastigar duzentas vezes tipo velhos macrobióticos, que aí engordamos menos. Nem ia falar de novo nesse assuntozinho. Casal de peso.
- É isso aí, melhor olhar a comida, comer com os olhos, curtir o visual dela, pegar e largar os talheres várias vezes, fechar os olhos, agradecer a Deus pelo alimento, meditar alguns momentos e pensar que cada refeição é um ritual importante para nossa vida, uma ocasião única, um encontro com as forças da natureza, uma benção.

- Mas bah! Coisa linda. Conversa de domingo. Mas tu até tá certa. De vez em quando, tu diz algumas coisas com fundamento, não posso negar. Depois desses anos tu ainda me surpreende. Incrível!
- Tu também me surpreendes ainda. De vez em quando com alguma surpresa boa. Mas para de falar com a boca cheia.

- Boa comida. Não sei se não comi um pouco demais. Bom, amanhã a gente caminha para compensar.
- Acho que exagerei um pouco no arroz com feijão mexido. Paciência.
- Se quiser, Teca, pode falar no celular que eu deixo, não vou ficar com ciúmes.
- Vou aproveitar para ver umas mensagens que chegaram no whats. Vai ver tua mãe ligou de novo.
- Vou ver fotos que os do Grupo Homens com Hagazão mandaram...
- Garçom, de sobremesa, dois sagus grandes com creme de leite.
- Garçom, dois cafezinhos e a conta, por favor.

A propósito...

Quando os dois chegaram em casa, os filhos tinham saído e, aí, a Teca propôs que eles deixassem os celulares um em cima do outro, simbolicamente, na cama do quarto de hóspedes, para não atrapalhar os diálogos dos dois no quarto de casal. Ele, de início, achou a ideia meio estranha, mas topou. Não era a hora de contrariar e, no fundo, pensou que o lance era até simpático. A Teca ainda gostava dele, depois de décadas. Se era tara ou coisa assim, ninguém tinha nada a ver com isso. Coisas de casal.
Depois de alguns diálogos, acharam que os celulares estavam carentes e foram lá dar um carinho para eles.

Lançamentos

Rumo à vertigem ou a arte de naufragar-se (Ateliê Editorial, 184 páginas), de Wassily Chuck, poeta, engenheiro, filósofo e diplomata de carreira, com xilogravuras de Luise Weiss, traz bem elaborados e densos poemas que tratam de ventos, águas, mar, aves, Nova Iorque, ondas, vida, morte e do próprio fazer poético.

Um médico na floresta (Buqui, 128 páginas), do médico e professor Ronaldo André Poerschke, traz 42 crônicas sobre a rica experiência que o autor teve, em dois anos, em Assis Brasil, no alto do rio Acre, logo depois de formado. Local isolado pelas chuvas, lá até avião atolava. Foi um tempo inesquecível e bem relatado.

Pérolas de Pedro (Catarse, 112 páginas) tem crônicas dos professores Demétrio de Azeredo Soster e Fabiana Piccinin, com ilustrações de Gabriel Renner, sobre o convívio com o filho Pedro a partir de seus 4 anos. Perguntas, máximas, citações e outras joias da infância e do cotidiano das relações familiares estão na obra.

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