sábado, 20 de fevereiro de 2016


20 de fevereiro de 2016 | N° 18451 
DAVID COIMBRA

Mistério na Beals Street


A rua em que o presidente Kennedy morava em Boston, até os cinco anos de idade, chama-se Beals Street. É rua de beleza plácida e suburbana, começando numa praça e terminando numa avenida, sem vicinais, formada inteiramente por sobrados de madeira. Em suas margens, enfileiram-se grandes árvores de caules tão poderosos, que quatro homens de mãos dadas não conseguiriam abraçá-los.

A casa em que os Kennedy moraram ainda está lá. Nos anos 1960, a família a recomprou e fez dela um pequeno museu. Pequeno mesmo. A casa é surpreendentemente modesta para ter sido o lar de uma família tão rica. Rose, a matriarca, era filha do prefeito de Boston. Joseph, ou “Joe”, o pai, foi embaixador na Inglaterra. Era rico, amigo de Roosevelt, maçom, illuminati, ambicioso e, às vezes, cruel.

A mando de Joe, sua filha, Rosemary, foi submetida a uma lobotomia quando tinha 23 anos de idade. Tudo porque, dizem, ela apresentava “problemas comportamentais”. Depois do procedimento, Rosemary, que era uma bela moça, tornou-se mental e fisicamente incapaz. Acabou internada num asilo, de onde nunca mais saiu, até morrer.

Cada vez que passo na frente da casa dos Kennedy, lembro dessa história terrível. Fico imaginando a pequena Rosemary correndo por ali, brincando, sem saber do triste e violento destino que a aguardava. Fico imaginando o velho e grave Joe a observá-la, pensativo. Fico imaginando os irmãos com os quais brincava e que, mais tarde, seriam personagens importantes da história dos Estados Unidos e do Mundo.

Noite dessas, tarde já, passei por essa rua. Havia trabalhado durante o dia inteiro, das seis da manhã às nove da noite, e estava quase com cabin fever.

É sério esse negócio de cabin fever. Por causa do frio e da neve, as pessoas ficam muito tempo presas dentro de casa, então lhes dá UM TROÇO, como dizem no Alegrete. A coisa é tão grave, que a prefeitura disponibiliza assistência psicológica para quem está tendo problemas do gênero no inverno.

Quer um exemplo clássico de cabin fever? Assista a um dos três maiores filmes de terror de todos os tempos, O Iluminado, de Stanley Kubrick, baseado em um livro de um escritor que é daqui dessa região da Nova Inglaterra, Stephen King. Mesmo que você não goste de filmes de terror (eu tenho medo), você deve ver esse filme.

Jack Nicholson entra para a história do cinema ao interpretar o personagem principal. Ele tem de cuidar de um hotel isolado nas montanhas, que fica fechado durante o inverno. São apenas ele, a mulher e o filho no prédio enorme e vazio. Os dias vão transcorrendo e a pressão do confinamento começa a aumentar. A mulher de Jack (o personagem também se chama Jack) percebe que o comportamento dele anda estranho. 

Ele é escritor, e atravessa os dias dedilhando ferozmente na máquina datilográfica. Há uma pilha de quatro dedos de altura de papéis escritos por ele em sua mesa. Um dia, quando Jack está em outra parte do hotel, ela decide ler a história. E depara com as páginas, todas as centenas de páginas, preenchidas com uma única frase repetida sem cessar. Trata-se de um provérbio inglês, que pode ser traduzido assim:

“Muito trabalho e nenhuma diversão fazem de Jack um bobão”.

A mulher de Jack compreende que algo está muito errado. E está mesmo. Bem.

Estava me sentindo um bobão naquele dia de muito trabalho e nenhuma diversão, por isso resolvi dar uma volta pela cidade. Saí caminhando e, de repente, estava na Beals Street, a rua dos Kennedy. Que, além de linda, é definitivamente sombria. Não por acaso, essa é uma das ruas em que é festejado o Halloween, todos os anos. Olhei para a rua escura. Deserta. E decidi enveredar por ela. Então... então, continuo a história amanhã.

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