terça-feira, 23 de fevereiro de 2016



23 de fevereiro de 2016 | N° 18454 
LUÍS AUGUSTO FISCHER

INTENSIFICAÇÃO DA VIDA

Em algum momento ensaístico, Virginia Woolf (que era boa de ensaio, pode crer) anotou que a arte era como que uma intensificação da vida. Me dê a mão, gentil leitor, e venha comigo averiguar o bastidor dessa expressão singela.

O que se vê, logo ali, na parte mais escura da sombra? A tese de que uma coisa e outra, arte e vida, são da mesma natureza, ou do mesmo campo gravitacional, talvez do mesmo colchão este que o Einstein previu cem anos atrás e agora confirmaram, ao ouvir estrelas – ouvir estrelas, como o nosso velho e maltratado Olavo Bilac já tomava em conta, como coisa típica de poetas. 

Vida e arte, da mesma família, em diferentes graus de intensidade: a vida é mais distensa, menos concentrada, mais solta que a arte, a qual precisa é um suco, um extrato, uma fatia especial, a picanha da vida.

E, veja que surpresa, logo ali, ainda nesse bastidor mas mais para o lado da luz, o que encontramos? Uma tese hippie, com raízes mais antigas, lá nos românticos radicais, e frutos maduros ali no auge da Guerra Fria, quando jovens ocidentais perceberam o tamanho da encrenca que os aguardava – vida rotinizada, burocracia administrando tudo, três refeições por dia em horários rígidos, 35 anos iguaizinhos de carreira, família burguesa opressiva – e contrastaram esse assustador futuro com toda uma outra perspectiva – love forever, rejeição à guerra e ao autoritarismo, liberdade até mesmo para a loucura. 

Sopre a poeira e veja a tese hippie: vida e arte deveriam se interpenetrar, a tal ponto que uma e outra perdessem seus contornos rígidos. (Secretamente, a tese insinuava ao bom entendedor que essa fusão deveria ser comandada pela arte, não pela vida, claro: era a utopia trazida ao cotidiano.)

E agora, saindo da sombra, eis que nos vemos a 20 anos da morte do Caio Fernando Abreu. O que ele fez? Encarnou as duas teses em sua vida e aprendeu a domesticar a linguagem do português para que as duas saíssem da vida para reentrar no terreno da arte, a arte escrita, com capacidade de chegar até hoje.

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