quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016



18 de fevereiro de 2016 | N° 18449 
LUCIANO ALABARSE

AS MENINAS DOS OLHOS


Ao modelo carioca de Carnaval, sempre preferi o outro, o da festa na rua, blocos e muambas que hoje se espalham com força pelo país inteiro, inclusive no Rio. Mesmo assim, torço fielmente pela Mangueira. Neste ano, seu enredo bateu fundo: Maria Bethânia, a Menina dos Olhos de Oyá, homenagem à maior artista brasileira. Foi Beth Colombo, por telefone, quem me deu a notícia da vitória mangueirense. Seguiu-se um “pequeno momento puro de amor”, como diria o mano Caetano, uma dessas horas em que tudo na vida se encaixa e justifica.

Segundo o russo Bakhtin, a alegria popular é contrapartida à seriedade dos ritos oficiais instituídos. Quatro dias para “liberar geral”. Pena que alguns políticos queiram estender esse espírito para além do calendário oficial. A carnavalização, porém, revela-se amarga para certos comportamentos ao longo do ano. A afirmação de José Dirceu de que os R$ 120 mil mensais que ganhou em alguns contratos é um salário irrisório, num país onde o mínimo é R$ 880, me soou delírio de folião descompensado.

Todos os nossos atos, públicos ou privados, trazem ônus e bônus. Investigações relevantes borram hoje a fronteira entre o que é ético e o que é ilícito em relação às escolhas duvidosas de políticos e empresários brasileiros. Detratores e discípulos parecem dispostos a condená-los ou absolvê-los apaixonadamente, previamente. Eu não. Torço para que suas explicações sejam convincentes. Não quero chorar por eles.

Minhas lágrimas vieram, todas, quando assisti a Cássia Eller, documentário de Paulo Henrique Fontenelle sobre a cantora. Cássia é demais. E fez jurisprudência nos direitos homoafetivos nacionais ao dar argumentos à Justiça para ceder a guarda de seu filho à companheira da vida inteira. Até eternos conservadores de plantão deveriam aceitar o que a lei já assimilou.

“Quem já tocou o amor pelo sabor do gesto e mordeu fundo a maçã” sabe: Bethânia e Cássia são mais do que artistas excepcionais. São meninas dos olhos de Oyá. Amor e gratidão.

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