sábado, 6 de fevereiro de 2016


07 de fevereiro de 2016 | N° 18438 
L. F. VERISSIMO

Fofo

No dia em que completaram 35 anos de casados, Valdir perguntou a Eunice:

– Posso lhe pedir uma coisa?

– Claro, fofo. – Não me chama mais de fofo. – Ai, fofo! Por quê?

– Porque eu não quero mais. – Mas fofo... – É ridículo.

– É um apelido carinhoso. Por que você nunca reclamou antes?

Era verdade. Todos aqueles anos sendo chamado de fofo, desde o tempo de namorados, e Valdir nunca se queixara. E agora aquela rebelião.

– É o efeito cumulativo, entende? – disse Valdir, sem certeza se ”cumulativo” estava certo. – Não quero mais.

– Mas todo mundo chama você de fofo.

– Chamam porque você chama. É gozação. Devem rir muito de nós, nas nossas costas. Devem pensar que eu também chamo você de fofa, na intimidade. Para eles, somos “os fofos”.

– Você nunca me chamou de fofa.

– Porque nós não somos fofos, Eunice. Somos de uma raça cheia de defeitos, condenada ao desespero e à morte, sem nada que nos salve. Nosso caráter é inconfiável, nosso destino é trágico, somos tudo menos fofos.

– Valdir, eu nunca vi você amargo assim!

– Pois agora está vendo como eu não sou fofo. Ninguém é fofo.

– Mas você não acha que a gente deveria... deveria...

– Deveria o que, Eunice?

– Deveria viver como se fôssemos fofos? Pelo menos um para o outro?

– Você quer dizer viver uma mentira?

– Não, mas também não desistir. Se fingir de fofos para não acabar desse jeito, amargos como você, depois de trinta e cinco anos.

– A vida é um absurdo, e nada faz sentido.

– Viu só como você ficou, fofo? – Fofo, não.

– Como é que eu posso chamar você, então?

– Dico. – Dico?! – Era como a minha mãe me chamava...

– Dico. E olha aí, você ficou comovido! Que fofura.

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