07 de fevereiro de 2016 | N° 18438
MOISÉS MENDES
Os 10 leitores de Tyrteu
O Brás Cubas de Machado de Assis admite, meio blasé, meio resignado, que suas memórias talvez viessem a ter, quando muito, uns cinco leitores. O poeta gaúcho Tyrteu Rocha Vianna também era econômico. Contentava-se com apenas 10 leitores. Fazendeiro e advogado, de família rica de São Francisco de Assis, Tyrteu mudou-se para Alegrete nos anos 1950.
Andava com dois cachorros pelas ruas. Todos sabiam que era excêntrico, solteirão e alcoólatra, mas raros sabiam que era poeta. Pois apenas 10 pessoas escolhidas teriam seu livro de poemas. Em 1928, aos 30 anos, publicou Sacco de Viagem pela Livraria do Globo, com tiragem de 10 exemplares. Quase ninguém ficou sabendo.
O jornalista carioca Alceu Amoroso Lima, famoso crítico literário com o pseudônimo Tristão de Ataíde, comentou o livro. Em 1930, no terceiro volume de ensaios Estudos, Tristão informa que o poeta é “um satirista, um demolidor, que banca o cínico e irrita muitas vezes, mas que não é banal”. Tyrteu, diz o crítico, “imita o sr. Oswald de Andrade”.
Estava ali um modernista a ser observado. Poucos leram o livro e poucos devem ter lido Tristão sobre o “sarcástico antropóphago” gaúcho. O poeta Itálico Marcon leu a crítica, 30 anos depois da publicação de Estudos.
Mas onde achar um exemplar de Sacco de Viagem? Marcon tinha desistido quando, nos anos 1970, ao mexer na biblioteca do escritor Antônio Carlos Machado, em Passo Fundo, o livrinho de 23 poemas saltou da prateleira.
Tyrteu havia morrido em 1963, aos 65 anos. Marcon conseguiu publicar Saco de Viagem (agora só com um “c”), em 1993, pelo Instituto Estadual do Livro/EdiPUCRS. Tyrteu não queria (será mesmo?), mas seria lido por mais de 10 pessoas.
O modernista escondido, cujo nome, registrado em cartório como Tyrteo, era uma homenagem do pai ao poeta grego Tirteu de Esparta, foi editado mesmo 30 anos depois de morto. Marcon – na edição do IEL – e Luís Augusto Fischer escreveram sobre o livro. Falam de um escritor transgressor, criado no campo, de bota e bombacha, mas ao mesmo tempo um dândi em ternos de linho branco, que morou no Rio.
Descobre-se que o lírico Mario Quintana tinha um meio conterrâneo atrevido, ou “uma figura” – como disse Fischer – “totalmente imprevisível, em forma e fundo”.
Tyrteu Vianna escrevia assim (no poema Alegrete): A Arábia pétrea / Reedificada por cima do fogão / Da coxilha da cozinha purgatorial / Do diabo rengo em pessoa / Suados suando suores / Em trajes meio menores / Ponte do Ybirapuitã / Atravessando o rio e a História do Rio Grande / Café vitrolortofonizado / Londres do futuro / Pecuaríssima / Cabeça / de / comarca.
Marcon é o descobridor do moço debochado que andou na contramão de regionalismos e simbolismos exacerbados e publicou só aquele Sacco de Viagem. Nunca foram encontrados inéditos seus. Tyrteu morreu pobre e não deixou nada além do livro em que junta e inventa palavras e brinca com sons.
Assumi com Fischer: vamos identificar os 10 contemplados com a edição de 1928, que teve cada exemplar marcado com letras de “a” a “j”. O próprio Fischer é dono do exemplar “f”, que ganhou do professor e crítico literário Flávio Loureiro Chaves. Flávio ganhara o livro do jornalista Carlos Reverbel.
Tem o livro que Antônio Carlos Machado doou a Itálico Marcon. O contista Sergio Faraco ganhou o exemplar “i” do tio Aluízio Azevedo, amigo de Tyrteu, e nos anos 1970 deu de presente ao mesmo Marcon, que depois o repassou com seu acervo para a biblioteca da Fiergs.
O fazendeiro Clotário Fouchard, casado com uma prima de Tyrteu, deixou o seu exemplar para o neto, o advogado Luiz Mário Pimenta Filho (fiquei sabendo disso, por acaso, numa troca de e-mails com Luiz Mário, no ano passado). E tem ainda o exemplar de Alceu Amoroso Lima, que Tyrteu deve ter enviado ao Rio. Faltam cinco exemplares. Quem tiver pistas, que nos avise.
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