quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016


10 de fevereiro de 2016 | N° 18441 
PEDRO GONZAGA

PRANTO SUÍÇO

Durante anos, o folclore familiar foi movido pelos apartamentos de Canela.


Minha mãe e minha tia aproveitavam cada showroom em desmanche para comprar coisas para os tais apartamentos, que jamais ficavam prontos. Chegamos a suspeitar, meus irmãos e minha prima, que as duas sofressem de algum distúrbio disparado por lojas de móveis em processo falimentar.

O tempo foi-lhes um desagravo. Os apartamentos se concretizaram e esta crônica é também um pedido de desculpas. Desde então tenho passado os dias de fevereiro em Canela, pois a descobri uma Suíça no tempo das guerras carnavalescas.

Longe de ser contaminado pela febre ziriguidum, sempre me tocou o aspecto melancólico do Carnaval. Quando jovem, eu cantava Um Sonho de Carnaval, do Chico, que terminava com: “Quarta-feira, sempre desce o pranto”. Aquilo combinava comigo. Levou tempo para eu descobrir ser “pano” e não “pranto” ao fim da letra. Cá entre nós, quem não fez dessas? 

Havia um casal que tocava na praça de alimentação do Centro Comercial João Pessoa que era campeão em modificar letras. Na época, fazia sucesso uma canção do Paralamas, Uma Brasileira, com seu refrão One more time (a ser cantado “uã mor tai tai tai”). Pois o casal, talvez insciente da frase em inglês, cantava “um-mum-chá-chá-chá”.

Admito. É feio trazer um exemplo radical para diminuir o próprio erro, mas não era a intenção, até porque preciso confessar: prefiro o meu “pranto” ao figurado “pano” do Chico. Pranto é mais direto. E mais próximo da bipolaridade de uma folia que acaba em cinzas. Bipolaridade que tem no samba seu melhor par. Mesmo no samba-enredo, seguidamente há uma segunda parte de tons líricos, o que deveria ser uma contradição em uma música feita para uma escola desfilar. Pensem em Liberdade, Liberdade, da Imperatriz, em tantos sambas de Vila Isabel ou de Mangueira.

Porque sem essas notas de tristeza, a alegria, como acontece nas aglomerações, tende a se tornar eufórica. E porque eufórica, chata aos que dela não participam, só não mais chata, talvez, do que a crítica feita aos que a ela se lançam.

Uma coisa, contudo, é certa, e trago más notícias de meu asilo diplomático: em Canela ou Salvador, independente do que tenhamos feito, hoje, quarta-feira, sempre desce o pranto.

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