quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016


24 de fevereiro de 2016 | N° 18455 
PEDRO GONZAGA

A TENTEADA É LIVRE


Dizer que os números da educação nas escolas brasileiras – aferidos por qualquer organismo sério – são desanimadores exigiria um otimismo de que não disponho. Haveria de se supor que um dia foram animadores. Os mais antigos, no entanto, hão de se lembrar da excelência da rede pública. Um amigo do pai certa vez me relatou conjugar os verbos simultaneamente em quatro línguas (português, espanhol, francês e latim) nos bancos de um de nossos mais importantes e hoje sucateados colégios estaduais.

Não há espaço aqui para a narrativa dessa queda, para as décadas de progressivo descaso. Por vezes penso que somente uma concepção maligna de educação poderia explicar o abandono dos professores (presos ao círculo vicioso da má remuneração) e dos conhecimentos fundamentais (línguas e matemática, humanidades e ciências). Reparem que nunca há uma reforma que amplie conteúdos e exigências, instale laboratórios, integre disciplinas tradicionais e modernas, como nas nações mais avançadas do mundo.

O que vemos são sempre propostas como a da nova base curricular nacional, feita ao canetaço de burocratas do MEC. Na prática, sai de cena o analfabetismo e entra o analfabetismo funcional. Que importa ler Camões e Pessoa (excluídos do programa), Machado, Drummond e Clarice? Basta ser capaz de deletrear uma notícia de jornal. As lacunas na disciplina de história eram tão graves que o ministério teve de voltar atrás. Mas para o MEC é assim: se nossa história é muito complexa, composta de dependências e opressões, suprimam-nas. Para eles, corrige-se a história apagando-a.

Corrige-se a história ensinando-a.

Mas não se preocupem. Antes de aprovarem a reforma, será feita uma consulta popular, ao longo de meses e não de anos (como seria o adequado, escola a escola, professor a professor), por meio de dicas e sugestões, com a frivolidade de um serviço de atendimento ao consumidor.

Sabemos. O MEC age na base da tenteada. Pluralidade é só um discurso, não uma prática. Se ninguém disser nada, desobrigam-se ainda mais da educação de excelência, única ferramenta inquestionável de justiça e ascensão social.

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