07 de fevereiro de 2016 | N° 18438
ANTONIO PRATA
De SP pro RJ pra SP pro RJ pra...
Quando li a enésima notícia de taxistas espancando motoristas do Uber, em SP, chamei imediatamente um Uber e falei: “Toca pra Ipanema!”. Em Ipanema, o recepcionista do hotel disse que não conseguia encontrar minha reserva online, mas que se eu o ajudasse a ajudar-me ele poderia estar me ajudando a ajudá-lo, o que compreendi que significava lhe dar duzentão ali mesmo, de modo que entrei num táxi e falei: “Toca pro Santos Dumont!”.
O taxista fez Ipanema – Santos Dumont passando por Belford Roxo, Niterói, Quixeramobim, Lima e Bogotá. Chegando ao aeroporto, 11 meses depois, vendi pela internet meu carro, minha alma e um poncho de alpaca comprado no Peru, paguei a corrida de R$ 189 mil e embarquei para São Paulo.
Chovia em SP, Congonhas estava fechado, pousamos em Cumbica, seis e meia da tarde, aluguei um carro e depois de nove semanas e meia parado na Marginal Tietê entre um ônibus da Mancha Verde e uma SUV com adesivo do Russomano, tive um ataque de pânico, larguei o carro no acostamento, cruzei o Tietê escalando uma adutora da Sabesp e peguei uma carona pro Rio, do outro lado.
Sentei no Bar Lagoa, chamei o garçom, ele não veio. Chamei de novo. Ele não veio. Depois de sete horas chamando, ele veio: disse que eu não podia ficar ali sem consumir e me botou pra fora. A sede era tanta que fui andando até um bar na Oscar Freire, em São Paulo.
Os vallets ficaram desorientados ao ver um cliente chegando a pé, o segurança consultou o gerente para saber se era permitida a entrada de pedestres, mas como sou branco e tenho cabelo liso, acabaram me sentando. Sete garçons me atenderam. Vestiam camisa de seda, gravata, sapato italiano, mas não eram registrados, não recebiam horas-extras nem os 10%, que ficavam pro dono. Eu ia pagar a conta e fugir pro Rio numa bicicleta do Itaú, mas um chope mais couvert deu R$ 489 e para não acabar no Serasa precisei arrumar um emprego.
Consegui um trabalho na Berrini. Minha patroa anoréxica não via o filho há dois anos por causa de um job top que estava managing alinhada com uns coworkers numa joint-venture de um fund com uma kickstarter de apps para incubadoras, o estagiário de 19 anos já tinha rugas e cabelo branco, almoçavam shake de proteína e injetavam Redbull na jugular. Fiz uma asa-delta com clipes e post-its e saltei do alto do prédio.
Ia pousar em Copacabana, mas fiquei apavorado com 200 paparazzi fotografando a vice-miss bumbum 2011 de bruços na areia (“Bunda na nuca!”, seria a legenda do Extra), fiz meia volta pra SP, ia pousar na Paulista, mas fiquei apavorado com 200 PMs espancando praticantes de Tai chi chuan (“adeptos da técnica ninja black bloc”, seriam as aspas do capitão), peguei um vento leste, subi acima das nuvens e tô pensando se tento um pouso em BH ou se sigo o rumo do padre dos balões -- um homem que, à época, todos julgamos lunático, mas que agora me parece apenas um visionário à frente do seu tempo.
* Texto descaradamente chupado de N.Y.C. to L.A. to N.Y.C. to L.A., ad infinitum, de Cirocco Dunlap, publicado na revista New Yorker, 1/2/16. Pela sugestão do texto e do plágio, agradeço ao amigo cariolista (ou paulistoca?) Charly Braun.
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