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sábado, 26 de março de 2011
Marcela Buscato
A guerra contra o relógio biológico
Se você é mulher, é bem provável que em algum momento da sua vida (lá pelos 10 anos de idade, no caso de neuróticas como eu), você tenha começado a pensar com quantos anos gostaria de ter um filho. Sim, porque a pergunta é com que idade e não SE você gostaria de ter um filho. É o que todo mundo, aparentemente, espera de você, mocinha de família que vai estudar, fazer faculdade, casar e engravidar. Tudo assim, necessariamente nessa ordem (porque a vida é assim, milimetricamente planejada, claro). Na época da minha avó, os planos eram lá pelos 19 ou 20 anos. Na da minha mãe, lá pelos 24 ou 25 anos.
Na minha, boa pergunta. Lá pelos 28 anos, para seguir a progressão? Mas eu já estou nos 28! Meio cedo, né? Até alguns meses atrás, eu ainda perguntava para a minha mãe se ela achava que eu tinha de dormir de cobertor ou se só de manta estava bom para o frio que estava fazendo. Como é que eu vou criar uma criança? Mas as pessoas acham que não, não é cedo. Para quando você quer o seu bebê? Não vai demorar muito, não é?
Tem gente que chama esse clamor de relógio biológico. Eu já acho que é pressão social mesmo. Sim, eu sei das estatísticas. Em uma aula de biologia nos remotos tempos do Ensino Médio, eu cometi uma das maiores gafes da minha vida, o que me impede de esquecer que as estatísticas existem. O professor discorria sobre todas as anormalidades genéticas que podem acontecer na gravidez, e cujas probabilidades aumentariam depois dos 30 anos.
Descobri síndromes que não sabia que existiam. Cutuquei o colega da frente. “Imagina, deve dar muito medo de ter um filho com uma dessas síndromes!” Ele sorriu amarelo, concordando. Dias depois, descobri que a namorada dele estava grávida. Ai, os 17 anos! A gente não sabe controlar os hormônios. E nem manter a boca fechada (acho que isso eu ainda não aprendi…).
Enfim, as estatísticas podem ser reais (e não significam que um filho com algum problema será menos amado). Mas são outra fonte de pressão social, não biológica. Será mesmo que o corpo manda sinais para o nosso inconsciente do tipo “Ei, seu óvulos estão acabando. Ei, os cromossomos estão ficando velhos. Eles podem ficar meio caducos. Vai que eles se dividem errado?”.
Nem precisa. As pessoas se encarregam disso. No fim, a gente passa muito tempo pensando quando ter filhos, mas pouco tempo analisando se os quer de verdade (pronto, frase para despertar a fúria de muitos leitores, em especial de avós em potencial. Avós em potencial nunca acham que ter filhos é uma questão de escolha, mas um desdobramento absolutamente normal da existência).
A escritora britânica Kasey Edwards teve que enfrentar o dilema em menos de um ano. Em seu livro “30-Something And The Clock Is Ticking” (Mais de 30 e o relógio continua marcando), a ser lançado no Reino Unido em abril, Kasey conta como descobriu que, em um ano, suas chances de engravidar seriam remotas. Em um belo dia, ela saiu do consultório da ginecologista com a sentença. Seus problemas de útero e ovário se agravariam em 12 meses a ponto de tornar uma gravidez inviável. Kasey se deu conta de que teria de decidir se queria ou não ter filhos.
Assim, para ontem! Contou naquela mesma noite para o namorado, com quem estava há um ano. Ele amaria uma mulher infértil? Ele disse que sim, mas que não custava tentar encomendar um herdeiro (parece mais um não). Seis meses se passaram e os testes de gravidez não se manifestavam. Não positivamente, pelo menos. A médica de Kasey recomendou que eles partissem direto para a fertilização in-vitro, quando o óvulo é fecundado com o espermatozóide em laboratório e depois implantado no útero da mãe. O procedimento deu certo. Nove meses depois, Kasey e o marido deram boas-vindas à Violet, hoje com dois anos.
A alegria de ter uma filha não fez que Kasey se esquecesse dos sentimentos que viveu quando acreditava ser infértil. “Vazia”, “inadequada” e “culpada” são as palavras que ela usa para descrever seu estado de espírito na época. São as mesmas sensações relatadas com frequência por mulheres com dificuldades para engravidar. Não duvido que elas queiram um bebê mais do que tudo.
Mas as palavras usadas para descrever a angústia mostram que boa parte do sofrimento vem da impossibilidade de viver o papel esperado para a mulher e não pelo pesar de não ter um filho e acompanhar seu desenvolvimento, suas alegrias e conquistas pelo resto da vida. Nenhuma mulher pode se sentir menos valiosa do que outra por não engravidar. O papel de mãe pode ser um dos mais sublimes que recebemos na vida. Mas não é o único.
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