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quarta-feira, 9 de março de 2011
09 de março de 2011 | N° 16634
MARTHA MEDEIROS
A perca
Da série “só acontece comigo”: estava parada num sinal da Avenida Ipiranga quando um carro encostou ao lado do meu. A motorista abriu a janela e pediu para eu abrir a minha. Era uma moça simpática que me perguntou: “Martha, o certo é dizer perda ou perca?”.
“Hãn?”
“É perda de tempo ou perca de tempo? Como se diz?”
A pergunta era tão inusitada para a hora e o local, tão surpreendente, vinda de alguém que eu não conhecia, que me deu um branco: por um milésimo de segundo eu não soube o que responder. Perca de tempo, isso existe? Então o sinal abriu, os carros da frente começaram a engatar a primeira, eu olhei para ela e disse: “É perda de tempo”.
Ela sorriu em agradecimento e foi em frente. Meu carro ainda ficou um tempo parado. Eu parada no tempo. Perca de tempo.
Dei uma risada e segui meu rumo também.
Se alguém te diz “não perca tempo”, e todos te dizem isso o tempo todo, como não confundir? Tantos confundem. São coagidos a tal.
E, cá entre nós, a “perca” parece mais amena do que a perda.
A perca de um amor é quase tão corriqueira como a perca do capítulo da novela. A perca é feira livre. A perca é festiva. A perca é música popular.
Já a perda é sinfonia de Beethoven.
A perca acontece no verão. A perca de uma cadeirinha de praia, a perca de um palito premiado de picolé.
As perdas acontecem no inverno.
A perca é simplória, a perca é distraída, a perca é provisória, logo, logo reencontrarão o que está faltando.
A perda é para sempre.
As percas reinventam o vocabulário e seu sentido, não são graves, as percas são imperfeições perdoáveis, as percas são inocentes.
As perdas são catastróficas, nada têm de folclóricas.
A perca é um erro gramatical, e apenas esse erro ela contém. De resto, não faz mal a ninguém.
A perda é um acerto gramatical, mas só esse acerto ela contém. De resto, é brutal.
Se eu pudesse voltar no tempo, reconstituiria a cena de outra forma:
“Martha, é perda de tempo ou perca de tempo? Como é que se diz?”
“O correto é dizer perda, mas é muito solene. Perca dói menos por ser mais trivial”.
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