segunda-feira, 7 de março de 2011



07 de março de 2011 | N° 16632
PAULO SANT’ANA | LÉO GERCHMANN - INTERINO


Futebol & Paixão

O Verissimo costuma ser genial, diriam as torcidas do Grêmio e do Inter em coro. Por quê? Porque enxerga como um Pelé.

Gênios enxergam.

Colorado, o Verissimo teve a lucidez de lamentar, em ZH (13/01), a frustração do Grêmio na tentativa de repatriar Ronaldinho. Escreveu o craque das letras, na crônica que está longe de ser datada: era a oportunidade para provar que se engana quem vê o mundo desbotado pelo cinismo. Asseverou ele que acerta quem ainda se comove com um bom romance, um enredo emocional, um apego aos sentimentos mais puros.

No subtexto, o pedido: salvem o futebol, a infância que queremos preservar como reserva de pureza!

E o Pelé não entra nesta história por acaso. O Rei ponderou, também naquele janeiro, que, se fosse mesmo tricolor como jura ser, Ronaldinho jogaria no Grêmio até de graça. Claro que a intenção, descontado o exagero retórico, era argumentar que Ronaldinho, com a vida feita, poderia exercer seu alardeado amor mediante remuneração inferior à oferecida pelo Flamengo e pela Traffic. Com sua usual sensibilidade, o também por vezes genial Sant’Ana (gremista, sabiam?) registrou, neste espaço que é dele, a sabedoria contida na frase do Pelé.

Mas, voltando ao Verissimo. Tão boa foi aquela crônica, que ainda penso nela. Continuo a refletir sobre a mística do futebol, esse jogo que é muito mais que um esporte e muito mais que um jogo. Ronaldinho despertou a necessidade de racionalizar um sentimento, de dar solidez ao intangível, de justificar o apego a um símbolo.

A fossa do gremista, lá no longínquo janeiro, foi semelhante à do adolescente que perde a namorada e não chora a ruptura em si, mas a desilusão dos planos desfeitos, da garota que mostrou não ser quem parecia e da sua entrega a outro homem, a quem faz reiteradas juras e demonstrações de amor, todas elas humilhantemente dolorosas para quem foi abandonado. O quase retorno do filho pródigo foi um ardente e efêmero romance de verão.

O Verissimo constatou isso. Porque tem lucidez e sensibilidade. Porque gosta do futebol, dos seus significados e do combustível que o move, a paixão.

Paixão como produto em um mundo capitalista conduzido pelo dinheiro, seu ingênuo?

Vá lá. Paixão ainda assim.

Ingênuo é quem não enxerga a paixão como um produto em potencial, a ser preservado até para dar lucro.

Dizem que o patriotismo é o último refúgio do canalha. Pois o futebol é o refúgio da nossa infância, o que pode nos redimir até de sermos canalhas – porque criança não é canalha. É onde nos permitimos manter a pureza do nosso time de botão, do pertencimento, do brasão que é a bolachinha remissiva do Proust, um jogo, e não uma guerra.

É como a teoria segundo a qual a criança deve, sim, manusear armas de brinquedo, como forma de fazer isso ludicamente, no plano da fantasia, e não na vida real. No futebol, mais romance e menos cinismo, mesmo em nome do vil metal, nem sempre tão vil.

O futebol, como profissão e negócio, depende desses sentimentos. Paixão e profissionalismo, geralmente, são compartimentados em polos opostos. Não devia ser assim. Ou, no limite, temos aqui um bom debate.

Em qualquer atividade, a paixão molda o bom profissional, e o bom profissional sabe da paixão tirar proveito. Exemplo: o apaixonante ofício de escrever, que é o do Verissimo. Já dizia Tchekov que escrever sobre a aldeia é escrever sobre o mundo (“Cantas tua aldeia que cantarás ao mundo”, dizia ele). Há quem não entenda sua aldeia, suas origens e a paixão, mesmo que tomada como um produto.

Uns nascem para ser Pelé e Verissimo. Outros não passam de Ronaldinhos e Assis.

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