quarta-feira, 23 de março de 2011



23 de março de 2011 | N° 16648
DAVID COIMBRA


Quando chega a malícia

Às vezes olho para o meu filhinho brincando com seu livro do castelo mal-assombrado e tento imaginar quando ele se tornará malicioso. Pois essa é a diferença fundamental entre a criança e o adulto: a malícia, a segunda intenção.

A malícia é o que está escondido, é o subterfúgio, é o não dito por trás do dito. Agora, aos três anos de idade, tudo que meu filhinho faz é direto. Ele diz o que pensa e pensa o que diz.

Não é à toa que fala o tempo todo – ele está falando o que está pensando. Mas sei que vai chegar um momento em que começará a premeditar suas ações, a esconder seus desejos e a jogar com os desejos dos outros. Quando isso vai acontecer? O que motivará essa mudança? Estou observando, curioso.

O mundo adulto é repleto dessas ações arrevesadas. É por isso que o adulto inventa atividades que imitam brincadeira de criança. Certos jogos são jogados só para se aplacar a nostalgia da infância. O futebol é um caso clássico de homens se esforçando para voltar aos tempos de menino. O futebol é para ser uma brincadeira, é para ser direto. É um jogo: você ganha se fizer mais gols do que o adversário. Pronto. Simples como simples é qualquer guri.

Mas chega um momento em que o mundo adulto se apropria da brincadeira. É quando ela rende lucros. Quando o jogo faz dinheiro. Os senhores da FIFA e da CBF, os organizadores do futebol, eles são os adultos. Eles se apropriaram da brincadeira. O Inter já sentiu o peso da mão de ferro desses senhores em 2005, quando tentou protestar contra o campeonato que lhe foi tirado pela justiça.

Agora, de certa forma, está sentindo de novo. Os senhores da FIFA impõem uma série de condições para que o Inter sedie jogos da Copa do Mundo. Cumpri-las pode fazer mal ao clube, mas não existe saída. É preciso obedecer. Porque eles são adultos e perigosos. Eles têm segundas intenções e malícia. E, muitas vezes, eles estragam a brincadeira.

A bola ficou menor

A bola de futebol diminuiu de tamanho. Você sabia disso? Eu não sabia. Quem contou foi o Gaciba, dias atrás. É que aí pelos anos 90 caiu a média de gols nas partidas do mundo inteiro. Os senhores da FIFA ficaram preocupados.

Menos gols, igual a menos emoção; menos emoção, igual a menor interesse do público; menor interesse do público, igual a menos dinheiro. Opa, quando a coisa chega ao dinheiro, é preciso agir. Aí acabou a brincadeira.

Algo precisava ser feito.

Alguns propuseram modificar a regra do impedimento. Outros acharam melhor aumentar o tamanho do gol. Até que alguém enfim deu a ideia de diminuir a bola. Uma mudança sutil, que passasse despercebida. Feito: foi suprimido um centímetro da circunferência. Quase nada, ninguém notou, mas a média de gols subiu de novo.

De vez em quando, os velhinhos promovem outras alterações mínimas: deslocam o centro de gravidade da bola mais para um canto, por exemplo. Aí o jogador chuta e a bola sai toda de revesgueio, alucinando os pobres goleiros, aumentando ainda mais a média de gols, intumescendo a conta bancária da FIFA.

Tinha mesmo a impressão de que a a bola estava menor. Lembro de quando jogava no Alim Pedro. A bola era do tamanho de um caixote de supermercado. Era de couro, quando molhava ficava ainda mais pesada e tinha um ventil. (Alguém aí sabe o que é um ventil?)

Para cobrar um escanteio você tinha de fazer a maior força. No jogo dos infantos o escanteio era da linha da área. Agora, qualquer pirralho de 10 anos de idade vai lá, cobra o escanteio e bota a bola na marca do pênalti. Bola leve, torta por dentro e sem ventil por fora. Eu seria um Nelinho, hoje em dia.

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