sábado, 26 de março de 2011



26 de março de 2011 | N° 16651
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES



Charrua

Para o Charrua João Rodrigues, Índio, poeta e declamador

Todos dizem Negro João,

Mas não é negro – ele é índio.

É um enigma? Deslinde-o

Usando só o coração,

Porque ele é pura emoção,

Um monumento à poesia,

Ao amor e à declamação.

Nasceu redondo e rolando

Pelos rincões da fronteira

Com o jeito, a cor e a força

Da pedra da boleadeira,

Punho de bronze fechado

Para golpear de primeira,

Ás de espadas perigoso

Na carpeta de carreira

Uma bela flor de ouro

Na carteada milongueira,

O frio que corta brilhando

No fio da faca campeira,

A voz, um trovão no pampa

Que surpreende de primeira,

Mas conquista, persistente,

Ao se tornar feiticeira.

O Charrua é meio bruxo,

O índio é o que é:

É guerreiro na peleia,

Não é cacique ou pajé.

Herdou a lança de guerra

Que um dia foi de Sepé.

Ele se ergue e vê longe

O mundo sempre daqui:

Do outro lado, o Uruguai.

No meio o Rio Quaraí

E a poesia deslizando

Como um poema em guarani,

Talvez um puma bramando

Com tanto amor por aí,

Cheiro de fêmea no cio

Com renda de inhanduti.

O índio se ergue gigante,

Não é bondoso nem mau.

É uma pedra, algum diamante,

No curso da água sem vau,

Recortada por instante

Contra o Cerro do Jarau.

Fala, índio, que o teu verso

Quase sempre diferente

É minuano quando frio,

Vento norte quando quente,

Impetuoso numa carga

Avalanche na torrente

E ao ver a china sonhando

– carinhoso, de repente...

Fala, Charrua! O teu verso

Incendeia e alumia

Canha azulada e ardente

Como trova de a porfía,

De lua cheia, de noite,

De sol forte, em pleno dia.

Tua Arte é para sempre

Porque em ti tudo é Poesia.

Madrugada,
28 de dezembro de 2008

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