sábado, 12 de março de 2011



13 de março de 2011 | N° 16638
DAVID COIMBRA


Nem todos são como os checos

O episódio que vou relatar abaixo ocorreu às vésperas da II Guerra Mundial. Está fazendo aniversário agora – deu-se em um 14 de março, em 1939. Há 72 quatorzes de março, portanto. Por aqueles dias, Hitler vinha exercendo pressão para tomar a Checoeslováquia. Deslocou tropas alemãs para a fronteira e as pôs sob prontidão.

Alarmado, o presidente checo, Emil Hácha, pediu uma audiência com o ditador alemão. Que a concedeu. Naquele mesmo dia, Hácha tomou o trem para Berlim. Tratava-se de um homem já de certa idade, doente, magro e pequeno. Vi fotos dele em meio aos chefes militares alemães, esses muito eretos dentro de longos sobretudos e debaixo de quepes imponentes, ele encurvado, frágil, parecendo um gnomo entre gigantes.

Hácha chegou a Berlim depois de uma viagem de cinco horas. O próprio ministro do Exterior, o famoso Ribbentrop, foi recebê-lo na estação. Ofereceu um buquê de flores à filha do presidente e levou a comitiva ao luxuoso Hotel Adlon. Esse hotel ainda existe em Berlim. Quando você for à Alemanha, hospede-se lá.

Embora a diária largue nos 500 euros e possa chegar aos mil, pense que você tem chance, inclusive, de se repoltrear na suíte em que ficou o casal Hácha. Imagine o que eles viram quando entraram no quarto: uma grande caixa de chocolates enviada pelo próprio Führer, que era um amante de doces. Hitler era um chocólatra, como a sua mulher.

Até aí, tudo ia bem. A partir daí, a situação começou a se engrouvinhar. Agora, Hácha e seu ministro do Exterior foram conduzidos até a nova e imponente Chancelaria do Reich, a fim de encontrar Hitler. Esperaram numa antessala até 1h15min da madrugada. Quando entraram no estúdio, depararam com uma intimidante comitiva alemã: Hitler, Ribbentrop, o marechal-de-campo Göring, os generais Keitel e Weizsäcker, e o médico pessoal do Führer, o Doutor Morell.

Agentes secretos alemães e franceses registraram a reunião. Hácha e o ministro se humilharam diante de Hitler. Imploraram para que seu país não fosse invadido. Hitler continuou impassível detrás do bigodinho. Por que ele usava aquele bigodinho? Como é que um povo culto, como o alemão, elege um cara que usa um bigodinho daqueles?

Mistérios da História. Enfim. Hitler informou que no domingo, dia 12, dera ordens para a incorporação da Checoeslováquia ao Reich. Segundo os informantes os checos ficaram “como se houvessem se transformado em pedra”.

Hitler então se retirou e os deixou à mercê de Ribbentrop e Göring. O que se sucedeu foi um dos episódios mais espetaculares da história da diplomacia internacional. Göring e Ribbentrop foram, na definição do jornalista americano William Shirer, “impiedosos”.

Perseguiram literalmente os checos ao redor de uma grande mesa onde se achavam documentos que, na prática, transferiam a Checoeslováquia para a Alemanha. Metiam a caneta entre os dedos do presidente, insistiam para que assinasse os documentos. Hácha resistiu até o estouro de seu limite. Que aconteceu quando Göring ergueu um telefone e avisou:

– Vou ordenar agora o bombardeio de Praga. Em duas horas, sua bela capital restará em ruínas.

O velho presidente não aguentou mais: desmaiou de emoção. Aí foi chamado o médico Morell, um charlatão especialista em injeções, que, tempos depois, quase mataria Hitler com uma. Daquela vez, as injeções de Morell funcionaram. Aplicou duas em Hácha. Reanimado, o pobre homem pegou a caneta que Göring lhe pôs nas mãos e assinou os documentos. Cinco minutos antes das quatro da madrugada de 15 de março, a Checoeslováquia perdia a sua independência.

Nesse caso, os pequenos não suportaram a pressão dos grandes. A Checoeslováquia, com um exército fraco e sem o poderio econômico da Alemanha, entregou-se sem luta. Exatamente o contrário do que aconteceu dias atrás, em Porto Alegre.

O Caxias, um clube menor, com orçamento menor e um time menor, portou-se diante do grande Grêmio com uma ousadia, uma galhardia e uma valentia que poucos apresentaram em quase 60 anos de história do Estádio Olímpico. Por sua bravura, merecia a vitória. Mas no futebol, como nas guerras, o que importa é a força, não a justiça.

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