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segunda-feira, 14 de março de 2011
14 de março de 2011 | N° 16639
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL
A paineira
Não, não olhe mais para o chão.
Não olhe para seus próprios passos.
Olhe para cima, olhe para os ramos das paineiras.
Já têm flores, veja. Pálidas, se árvore antiga; carnais, se jovem. O fato é que as flores estão ali, visíveis, ondulantes ao vento da manhã. Não são teatrais. Não têm perfume. Em sua íntima humildade anunciam o recolhimento da próxima estação.
Cada paineira, nesta época, vale por um tratado de metafísica. Cada paineira florida vale por um soneto de Petrarca.
Vale pelo segundo movimento de um concerto de Mozart.
Tudo na paineira é perfeito, até os acúleos que a protegem. Mas isso durante sua primeira idade. Tal como nós, a paineira perde os espinhos à medida que passa o tempo. Dizem os peões do pampa que isso acontece para que ela, na velhice, possa receber os ninhos dos pássaros.
Talvez a paineira tenha algo de sobrenatural – só um ente com essa qualidade é capaz de avisar o fim do verão.
A saudação anual dos primórdios do outono, nesta coluna, não é apenas uma demonstração lírica; é uma celebração do bom, do belo e uma afirmação da transcendência humana.
No outono refletimos, buscamos agasalhos. Acompanhamos o entardecer com a sensação de que é o último da vida e isso, em vez de nos esmagar, nos concede a paz legítima. E está tudo certo, assim deve ser. Não somos eternos.
As flores da paineira, porque altas, são os primeiros seres vivos a receberem o frescor das novas aragens do Sul.
A espera do outono, depois do causticante verão, é uma das mais belas expressões da delicadeza da alma humana. É uma espera que implica plenitude existencial e intelectual.
Uma pessoa frívola jamais entenderá o outono, jamais será tocada por uma paineira florida.
Sim, olhemos para cima, com todo nosso sonho.
É o repetido prodígio de março, ali.
Olhe. Olhe para cima.
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