segunda-feira, 28 de março de 2011



28 de março de 2011 | N° 16653
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL


Artistas

Há uma interessante tela de Fragonard. Representa um artista – autorretrato? – com a pena na mão suspensa, o rosto voltado para a esquerda, o olhar dirigido para acima de seu ombro.

Esse olhar, cheio de ardor, contempla um espaço e um tempo sem fim, talvez um passado, talvez um futuro. O artista está à espera, vê-se. Do quê? Fragonard, no título da obra, esclarece: o artista aguarda a inspiração.

O olhar não se dirige ao calhamaço de papéis que pousa na sua mesa de trabalho. Ali ele (não) nada encontrará, a não ser o vazio da folha em branco. A inspiração está em outro lugar, além dele. Numa transcendência, pois. Algo que não está neste mundo nem dentro do próprio artista.

Fragonard foi um pintor entre culturas: com um pé no Classicismo, o outro estava no Romantismo nascente. Ele herdou, portanto, certo quê racional do século 18, mas também a agitação e a tempestade do mesmo século. Assim, é compreensível que a inspiração o inquietasse, colocando-a num plano ideal.

Estamos a falar em séculos pretéritos, sim. Mas somos tomados pela intrigante ideia de que o assunto não foi superado. A inspiração é palavra corrente em nossos dias, e por mais que psicanalistas tenham estudado o caso – Cyro Martins entre estes, e com brilho – procurando dar-lhe uma expressão razoavelmente explicada, ainda resta um contingente enorme de artistas que não sabem e, muitas vezes, nem querem saber – as razões que o levam a escrever um poema, compor uma música ou desenhar um cenário teatral.

Há, aqui, um domínio em que temos de, humildemente, declarar nosso fracasso especulativo.

Essa situação, entretanto, não nos impede de pensar nas circunstâncias em que surge aquele momento fundamental, quase orgástico da inspiração. Para que ocorra, é necessária uma intuição fundamental, mas esta não ocorre se não for originária do conhecimento da arte, da observação e da experiência de vida.

Toda inspiração, é, por isso mesmo, condicionada por tudo aquilo que constitui um universo de saberes. Com isso, devemos relativizar as declarações esotéricas de alguns artistas quando falam de suas inspirações; torram-se artistas não por estas, mas por seu longo aprendizado e contínuo exercício da arte pois, como diz Maiacóvski, só a técnica – que decorre da experiência – liberta o talento.

A palavra do artista nem sempre é melhor do que sua arte, daí que nos decepcionamos quando o artista põe-se a falar sobre seu próprio trabalho. E como fala!

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