sábado, 12 de março de 2011



12 de março de 2011 | N° 16637
ANTONIO AUGUSTO FAGUNDES


Carnaval e tradição

As tribos carnavalescas estão agonizando em Porto Alegre. E quem usa ainda máscara, evocativas do “bal masqué” que até Shakespeare aproveitou em Romeu e Julieta? O sopapo característico do Carnaval de Pelotas resistiu porque pulou para as orquestras, mas a batida tradicional se perdeu. Marcava o ritmo do Carnaval gaúcho, diferente do carioca. Hoje, só Giba-Giba conhece a batida.

Que fim levaram as marchinhas, os sambas e as marchas-rancho com letra belíssima e música empolgante? Só sobrou A Jardineira, canção folclórica na origem registrada com “autores”. Hoje é só esse entediante rol de sambas-enredo, inexpressivos e repetitivos, com letras pobres e músicas indigentes, muito de enredo e pouco de samba.

Os “remelexos” de blocos, os que iam à frente de tudo, dançando e despertando a alegria da multidão, foram substituídos pelos passistas. O grande César Passarinho foi “remelexo” de bloco em Uruguaiana. E dizem que o Elton Saldanha foi “remelexo” de bloco em Itaqui. A alegria nas ruas eram os blocos de “sujos”, ou “sujos” individuais, com roupas que muitas vezes traduziam uma crítica a uma situação conhecida, às vezes reforçada por cartaz.

Os “sujos” saíam de dia e não desfilavam formalmente. Em Pelotas, havia os famosos blocos de “dominós”, cujos integrantes se fantasiavam com um grande manto e usavam máscaras. Disfarçando a voz, mexiam com os assistentes, diziam graças. Outro bloco pelotense esperado era o dos “travestis”, cidadãos que soltavam seu lado feminino, brincando à vontade. Hoje, travesti virou sinônimo de homossexual. Antes não era assim.

Não havia profissionalismo no Carnaval. Todos eram autênticos foliões que esperavam o fim do ano para o lançamento na rádio de marchinhas e sambas, muitos dos quais resistem nos bailes de salão: A Jardineira, Alalaô, Chiquita Bacana, Mamãe eu Quero.

Acho que a última grande marcha carnavalesca foi Máscara Negra, do Zé Kéti. Brilhavam artistas como Chico Alves, Carmem Miranda, Orlando Silva, Dircinha e Linda Batista, Quatro Ases e Um Coringa, Angela Maria e outros. Não havia escolas de samba, mas blocos e algum corso, dos blocos dos ricos.

Agora, qualquer turista pode pagar e integrar qualquer escola, desde que vença a segurança dos traficantes e prove sua condição de “folião”. E vem alguém dizer deseja introduzir essa prática nos nossos desfiles de 20 de Setembro! Já imaginaram comprar uma “fantasia” de gaúcho? O turismo é a indústria sem chaminés, a indústria que não polui, e todos temos interesse em casar tradição e turismo, mas tudo tem limites.

Carnaval é Carnaval, e tradicionalismo é tradicionalismo. Não tentem botar no nosso desfile um gringo bêbado fantasiado de gaúcho. Senão, vai dar mangaço na avenida outra vez.

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