terça-feira, 22 de março de 2011



22 de março de 2011 | N° 16647
CLÁUDIO MORENO


Um simples bocejo

Além da compaixão pela dor e pelo desespero de nossos semelhantes, as terríveis imagens da tragédia japonesa trazem à tona, também, uma verdade que teimamos em manter longe de nossos pensamentos: o que chamamos de catástrofes – terremotos, furacões, ondas gigantescas, avalanches – são processos tão naturais e corriqueiros para o planeta quanto o são, na escala humana, os bocejos e os espirros.

Esses fenômenos naturais acontecem sem hora marcada. Neles, nada mudou, desde as primeiras descrições de que dispomos, e nada ocorreu no Japão que já não tivesse ocorrido alguns milhares de vezes.

Quatro séculos antes do nascimento de Cristo, por exemplo, na Grécia antiga, a cidade de Hélice desapareceu em poucas horas, juntamente com todos os seus moradores. O primeiro golpe foi em plena noite, quando todos dormiam: um terremoto avassalador fez ruir todas as casas, sepultando nos escombros a maior parte da população.

Depois, quando o sol raiou, rompendo a custo a grande nuvem de pó e de cinza vulcânica, veio o segundo: quando os poucos sobreviventes, em estado de choque, cambaleavam em direção ao porto, ainda sem entender o ocorrido, uma onda descomunal levantou-se à sua frente e abateu-se sobre eles, sepultando no mar o que ainda sobrava da cidade.

Os únicos que restaram, dizem, foram alguns pescadores que tinham partido no dia anterior; ao voltarem, à tardinha, mal e mal puderam entrever, debaixo da água, as ruínas do que fora Hélice. Desta vez, como disse o poeta, “foram os barcos que assistiram ao naufrágio das casas”.

Depois disso a História registrou centenas de ocorrências semelhantes, mas nenhuma tão devastadora quanto o terremoto de Lisboa em 1755 – não pela violência ou pelo número de vítimas que fez, pois houve outros bem maiores e mais terríveis, mas pelo abalo definitivo que causou em nosso ingênuo amor-próprio.

Até então se imaginava que o ser humano fosse o responsável por essas catástrofes, e isso, por paradoxal que possa parecer, dava algum sentido à fúria do terremoto ou do tsunami. Minha casa ou minha cidade tinha sido arrasada por algo que eu tinha feito ou deixado de fazer. A culpa atraía a punição – uma equação trágica, mas fácil de entender.

A destruição de Lisboa, no entanto, deixou claro que a Natureza, alheia aos conceitos humanos de justa recompensa e castigo, não distingue culpados de inocentes. É inútil buscar algum sentido em seus caprichos.

No fundo, sabemos disso, mas a ideia de conviver com forças tão poderosas e tão indiferentes aos nossos projetos é insuportável demais, e encontramos mil maneiras de esquecê-la – até que a terra trema outra vez.

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