sábado, 12 de março de 2011



12 de março de 2011 | N° 16637
CLÁUDIA LAITANO


Ciborgues

Nem Mulher Maravilha nem Poderosa Ísis. Minha super-heroína favorita era a mais que humana Mulher Biônica, com seu ouvido que escutava o bater de asas de uma borboleta, seu braço capaz de derrubar o vilão com o penteado mais terrível e suas pernas que corriam mais rápido do que um Maverick envenenado (era os anos 70, pessoal...).

Como uma Eva cibernética, a Mulher Biônica nasceu da costela e do sucesso da série O Homem de Seis Milhões de Dólares, produzida nos Estados Unidos entre 1974 e 1978. Os dois personagens foram responsáveis pela disseminação na cultura pop do termo “ciborgue” – criado em 1960, no auge da corrida espacial, para descrever um ser humano turbinado pela tecnologia e capaz de sobreviver no ambiente hostil do espaço sideral.

Quase 40 anos depois da estreia da série, o conceito de ciborgue já não soa como ficção científica – e seis milhões de dólares, vamos combinar, já não pagam nem um ano de salário do Ronaldinho Gaúcho, que dirá uma operação secreta do governo americano.

Pernas, braços e ouvidos têm sido reconstruídos com sucesso pela medicina, mais ou menos como aconteceu com a Mulher Biônica depois de um acidente quase fatal com um para-quedas, e são tantos os avanços prometidos para os próximos anos nas áreas de engenharia genética e neurociência que a ficção científica vai ter que se puxar para parecer mais ousada do que a ciência de verdade. Mas talvez os ciborgues nem precisem de tanto tempo assim para virar maioria no planeta.

Para a socióloga americana Amber Case, todos nós – eu, o leitor e até o Charlie Sheen – já somos ciborgues. Não como o Robocop ou a minha querida Mulher Biônica, que incorporaram a tecnologia para superar limitações físicas, mas como seres que usam as máquinas como uma espécie de extensão das habilidades mentais de comunicação e relacionamento.

“Você é um ciborgue toda vez que olha para a tela de um computador ou usa um celular, porque está entrando numa relação tecno-social com um pedaço de tecnologia não humana. Nossos celulares, carros e laptops nos tornaram ciborgues porque nós os empregamos para fazer coisas que não conseguimos como simples indivíduos.

Nossos corpos podem estar nos mesmos lugares, mas nossas identidades e pensamentos estão viajando pelo globo”, disse a pesquisadora em uma entrevista publicada esta semana na Folha de S. Paulo. Amber Case compara seu trabalho com a antropologia tradicional, que viaja a lugares exóticos para coletar relatos sobre o modo de vida de outras civilizações – neste caso, nós é que somos a civilização exótica.

A “antropologia ciborgue”, explica Amber, estuda como o homo sapiens está sendo reinventado pela tecnologia, lidando com extensões inéditas das suas habilidades de comunicação: um volume inconcebível de informação ao alcance de um clique, o surgimento de um “eu digital” que interage com outras personas digitais (tanto para se candidatar a um emprego quanto para arranjar um namorado ou reencontrar um amigo) e a conectividade permanente com outras pessoas, estejam elas onde estiverem.

Amber tem apenas 24 anos, mas já se preocupa com a geração seguinte, a que encara o celular como uma extensão do seu corpo e vive cercada de estímulos que disputam sua atenção o tempo todo. “É quando você está sozinho com você mesmo, sem estímulos externos”, alerta a jovem antropóloga ciborgue, “que você descobre quem realmente é”.

E não é?

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