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sábado, 12 de março de 2011
13 de março de 2011 | N° 16638
MARTHA MEDEIROS
A camareira
O que me desconcerta em hotel é a visita da camareira quando se está fora do quarto. É a evidência da nossa completa vulnerabilidade diante de uma desconhecida
Como mantenho um ritmo intenso de viagens a trabalho e também de lazer, quarto de hotel passou a ser um item frequente da minha rotina. Por um lado, um ambiente estranho ajuda a escapar da mesmice, nos presenteia com aquela sensação de estrangeirismo que sempre renova as nossas fantasias, mas faz falta a familiaridade do dia a dia, aquilo tudo que faz do nosso lar um porto permanente e não provisório. No fundo, acho que sinto falta do presunto vencido na geladeira.
Entre alguns prós (vista pro mar) e contras (o Club Sandwich raramente é saboroso), o que me desconcerta em hotel é a visita da camareira quando se está fora do quarto. Tenho por hábito deixar tudo meio ajeitado para que ela não faça mau juízo de mim, mas sei que a danada não terá complacência nenhuma com minha boa vontade. Invadirá meu universo íntimo, abrirá armários e gavetas, saberá que remédios tomo, o que estou lendo, se transei na noite passada.
Tudo isso sem saber meu nome nem eu o dela. Em princípio, não parece diferente da relação que mantemos com nossas funcionárias domésticas, mas nem se compara. É a evidência da nossa completa vulnerabilidade diante de uma desconhecida.
Não é assunto que me tire o sono, apenas fiz essa tergiversação por causa de um livro excelente que li dias atrás, cujo título é, adivinhe, A Camareira, do alemão Markus Orths.
Mais uma obra de arte que trata da esquizofrenia, essa musa inspiradora do novo século: a personagem do livro é uma compulsiva por limpeza que vive em extrema solidão e que tenta desenvolver emoções próprias pegando emprestadas as emoções dos hóspedes do hotel para o qual trabalha. Seu método: ao terminar o serviço, ela adota o estranho hábito de deitar-se embaixo da cama deles, aguardando-os.
Quando eles voltam para o quarto, ela mantém-se ali quieta durante a noite inteirinha. Lembra de quando a gente era criança e temia que houvesse um monstro respirando bem embaixo do nosso colchão? Pois o bicho-papão do livro é a moça.
O texto é curto, enxuto e envolvente, meu número. Uma prosa rápida, mas com tamanho suficiente para desvendar o amplo universo de perturbações, fetiches e manias dos seres humanos.
Na próxima vez que eu me hospedar em hotel, e não deve demorar, olharei para as camareiras com um misto de perplexidade e fascínio. Aquelas criaturas que circulam de uniforme pelos corredores saberão um pouco de mim – se levo meu próprio secador de cabelos, se deixo a calcinha pendurada no chuveiro, se trago pra casa a caneta promocional que fica sobre a mesa de cabeceira, quantos cremes eu uso – mas o que saberei eu da intimidade delas? Melhor não espiar embaixo da cama.
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