quinta-feira, 17 de março de 2011



17 de março de 2011 | N° 16642
LETICIA WIERZCHOWSKI


O destino de um homem

A propósito de um texto que me pediram, reli recentemente um dos meus livros prediletos – O Destino de um Homem, de William Somerset Maugham. Um romance delicadíssimo que deita o olhar sobre o mundo e o fazer literário, a partir da história de um famoso romancista, Edward Driffield, um escritor talentoso e esquivo, cuja vida está sendo biografada por outro escritor, Alroy Kear, homem cheio de ambição e de caráter bastante duvidoso.

A história é narrada por um terceiro homem de letras, que conheceu o famoso Driffield durante sua infância numa prainha onde vivia aos cuidados do tio – e que abomina tanto os meios como os objetivos do dito biógrafo.

Um livro sobre o que não se diz, e sobre as infinitas possibilidades do dizer ficcional – esse mar onde nós, escritores, navegamos às vezes quase à deriva, e noutras tão senhores de nós mesmos, corajosamente aventureiros como o foram os portugueses em suas caravelas.

Desse romance, o trecho final ficou soando na minha alma. Diz assim: “... aproveitei para refletir sobre a vida do escritor. É uma vida cheia de contratempos. Para começar, ele deve sofrer a pobreza e a indiferença do mundo, depois, tendo conquistado uma parcela de sucesso, tem de se submeter sem protesto aos seus riscos. (...)

Mas existe uma compensação. Sempre que tiver alguma coisa no espírito, seja uma reflexão torturante, a dor pela morte de um amigo, o amor não correspondido, o orgulho ferido, o ressentimento pela falsidade de alguém que lhe devia ser grato, enfim, qualquer emoção ou qualquer ideia obcecante, basta-lhe reduzi-la a preto-e-branco, usando-a como assunto de uma história ou enfeite de um ensaio, para esquecê-la de todo. Ele é o único homem livre”.

E, justo no dia em que terminei essa leitura, volto de uma caminhada à beira-mar e recebo a triste notícia do falecimento de Moacyr Scliar. Foi uma figura rara: um escritor alegre, de talento inesgotável, um homem simpático e generoso. Faz muito tempo, cruzou comigo na Feira do Livro, numa sessão de autógrafos, e elogiou-me vivamente meu terceiro romance, Prata do Tempo. Nem nos conhecíamos.

Nunca lhe disse o quanto lhe fui grata por aquela conversa rápida, sincera, visceral. Escreveu mais de setenta livros, o que me faz pensar que, ao modo dos escritores, foi um homem livre como um pássaro. E voará até as mais vastas lonjuras, batendo asas a cada vez que alguém abrir as páginas de um dos seus belos romances.

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